A arte em novos suportes

Posted on 8/31/2008 by UNITED PHOTO PRESS

A arte do Renascimento, por meio da perspectiva, trabalhou a ilusão como um elemento de aproximar o público da obra, abrindo espaço para uma percepção da imagem como algo que não se distanciava da realidade captada na natureza. As transformações tecnológicas e as novas mídias tornam a arte contemporânea mais aberta e acessívelAs cidades contemporâneas podem ser consideradas como um novo suporte à arte que, cada vez mais, ganha novos espaços. Entre eles, a rua, com a chamada arte pública, como defende o antropólogo italiano Massimo Canevacci, que ensina como ler estas “metrópoles comunicacionais”. Para tornar esta “leitura” possível, é preciso recorrer a novos códigos, sendo um deles, as tecnologias da informação e comunicação, que substituem, ou melhor, completam, o que o compasso e os cálculos fizeram anteriormente. No entanto, é preciso esclarecer que a arte - desde as manifestações mais primitivas até às contemporâneas - trabalha com códigos e linguagens. E sem perder de vista o caráter de compreenção e transformação do mundo no qual estamos inseridos de uma forma lúdica. O lúdico pode, perfeitamente, ser enfocado na arte, passando pelo virtual, que consiste no aperfeiçoamento de antigos códigos e linguagens. A arte contemporânea, que trabalha com a presença do espectador, como explica José Álbio Sales, professor de História da Arte da Universidade Estadual de Ceará (Uece), encontra terreno propício para se desenvolver no campo do virtual.“Antes, os espectadores ficavam simplesmente contemplando”, completa, informando que, a partir da conceituação do pensador também italiano, Umberto Eco, na sua “A Obra Aberta”, o caminho ficou escancarado para o objeto de arte deixar de ser apenas apreciado com os olhos.Neste aspecto, a arte contemporânea carrega uma maneira mais direta de trabalhar a ludicidade, e o espectador passa a interagir com a obra. Hoje, é possível que uma artista construa uma obra coletiva com a participação de internautas, que utilizam o mousse pode interagir. O que ficaria limitado a uma tela, por exemplo, é diluída dentro de um espaço infinito, sendo reduzido a uma proposta. Segundo Álbio Sales, este é um dos desafios da arte contemporânea.No artigo “Arte e Tecnologia, uma nova relação”, no livro “A arte do século XXI - A humanização das tecnologias”, Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, professora da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca: “A arte tecnológica ainda nos intimida, fazendo que notemos mais as aparelhagens que a produzem do que ela mesma; todavia, indubitavelmente, ela é mais um horizonte da sensibilidade estética que se descortinou para outros alvoreceres”. Não é de hoje que a arte usa diversos suportes e linguagens diferentes para continuar a árdua tarefa de “nos orientar no mundo”.Desde as composições murais paleolíticas e neolíticas, até às manifestações da arte contemporânea com os recursos tecnológicos, a arte sempre vem fazendo experimentações e construindo um texto que, talvez, jamais será concluído. Daí, o feliz conceito de Eco, a obra aberta. Isto é, a arte está sempre mudando, migrando e fazendo novas experiências.Por isso, como diz a professora Ana Claudia Mei Alves de Oliveira: “A arte é uma codificação visual que se ordena tanto adotando o sistema de idéias do momento, quanto pode ser ela mesma a sua geratriz”. Assim, como o próprio conhecimento, ela vem se adaptando a cada novo momento histórico. Portanto, as tecnologias são construções que, ao longo do tempo, estão sendo transformadas e aperfeiçoadas.No caso da obra de arte contemporânea, ´são as propostas que envolvem o espectador´, explica Álbio Sales. E, mais, muitas vezes, o artista faz um convite para que o espectador entre, fisicamente, na obra. É o caso do arte cinética, uma tendência da arte contemporânea, vinculada com a escultura. ´Há uma quebra de paradigma quando o artista tenta misturar pintura e escultura´.Desde a ´Pop Art´, um dos movimentos da arte moderna, que os artistas tentavam quebrar essas fronteiras. Foram criados os ´happenings´, eventos nos quais o espectador deixa de contemplar, passivamente, a obra de arte. Mas isso não significa que, intelectualmente, o espectador não pudesse ´entrar no jogo´ também. Na arte cinética, por exemplo, ele é convidado a movimentar, jogar com o objeto. ´A obra de arte é para ser fruída´, e para que isso aconteça é necessário a interferência do espectador. ´Este é um dos aspectos mais explícitos do lúdico´, detalha.Mas não é apenas no campo das artes plásticas que o lúdico se apresenta. Na literatura ele também está presente. O autor busca, através da linguagem, construir imagens e cada leitor constrói as suas imagens. No cinema, as imagens são construídas pelo diretor. “Na literatura, a imagem é individual e está relacionada à história de vida e à cultura de cada pessoa”, explica.A imagem virtual é mais uma possibilidade de leitura através de uma reprodução gráfica de imagens que são construídas mentalmente. Essas imagens, a exemplo dos jogos eletrônicos, são construídos a partir de elementos da geometria, da física e da matemática. Trata-se de uma geometria tridimensional que pode ser chamada de ´cérebro eletrônico´. Só que ele não fala, computa; calcula, não pensa, explica o professor Álbio Sales.O dito cérebro eletrônico é limitado às equações matemáticas cujas respostas estão armazenadas, previsíveis, diferente do humano. Com relação à realidade virtual, sua base é geometria, possibilitada mediante cálculos matemáticos. O resultado é a geometria espacial tridimensional, ressalta.Bem que os artistas modernos tentaram fazer isso. Os dadaístas, e Picasso com o Cubismo são exemplos de tentar dar movimento e mostrar o objeto de maneira tridimensional, mesmo usando a tela como suporte. Isso significa que, alguns artistas tentaram criar, de alguma forma, esta realidade virtual tão decantada neste início de século.Sem querer enveredar para a questão filosófica do que é realidade, isto não vem ao caso, a realidade virtual é uma possibilidade que parece perfeita. No entanto, tem como bases cálculos matemáticos que remontam à arte romana, sobretudo ao renascimento, com a idéia de perspectiva. Alberti, escultor e pintor italiano da Renascença, foi um dos primeiros a trabalhar com a visão do tridimensional, elemento que faltou aos artistas gregos.Isto foi um grande salto também para a arquitetura, possibilitando a realização de projetos. Os artistas barrocos exacerbam na ilusão de ótica com o seu ´trompe l´oeil´, ou ilusão de ótica, tentando gerar um espaço virtual, através da perspectiva. O recurso era usado nas Igrejas, por exemplo, dando idéia de infinito. O pensador francês, Jean Baudrillard, vai buscar na ilusão de ótica dos artistas barrocos a fundamentação da sua teoria do simulacro. Faz alusão ao estuque, pó de mármore, utilizado pelos artistas barrocos. Os góticos traçam caminho semelhante.Assim, como pode-se perceber, os fundamentos do mundo virtual remontam à perspectiva científica renascentista e à ilusão de ótica do barroco, entre outros elementos. A chamada cibercultura cria a possibilidade de interação a partir de junção de elementos da tenconologia da comunicação e informação. Hoje, é possível entrar num site e participar da construção de uma obra de arte. Sem contar com a utilização da internet como ferramenta para acessar museus e galerias. As chaves estão sendo substituídas por códigos.