O apelo da arte na natureza

Posted on 1/08/2015 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE


Sugiro uma visita ao Cam para ver a exposição Animália e Natureza que se irá prolongar ao longo do novo ano construída a partir do universo iconográfico de temas clássicos na paisagem; nos bichos e nos elementos: terra, água, fogo e ar. Trata-se de uma mostra que reúne 60 obras de artistas nacionais e internacionais desde a pintura, desenho, escultura, fotografia e vídeo, que se debruçaram sobre este vasto tema quase infindável, fonte tão apetecível para os criadores no plano do imaginário. As evocações artísticas surgem onde a natureza desponta e nasce como experiência física incorporada do artista.

Existe uma interligação, relação deliberada com a memória e o enredo dos trabalhos de pintura na retrospectiva de António Dacosta, que também ali está presente no ano do centenário do nascimento do pintor, funcionando como um ponto de partida do conceito da mostra. De facto, antes de entrarmos no espaço expositivo na sala da nave, deparamo-nos com a série de painéis com desenhos ampliados de Dacosta de um coelho em andamento a olhar para o relógio de bolso I’m late remetendo para o universo de Alice no País das Maravilhas, acompanhado de Não há passado nem futuro. Só há espaço no mundo como se se tratasse de um prólogo a ambas as exposições. Este trabalho do pintor açoriano faz parte integrante de um painel de azulejos na estação do Cais do Sodré.


“O mistério aparece não a partir do que se vê mas do que é sugerido”

Na exposição figuram obras com um enfoque temporal a partir da década de 60 até à actualidade, sendo preponderante as peças bidimensionais, pertencentes ao acervo do CAM. No plano metodológico, encontramos no campo da história de arte uma casa desarrumada, porque o que as liga é a temática como mola impulsionadora e fio condutor da mostra e não assente no estilo e geração dos artistas. 

Entre os autores de renome, aparecem os consagrados: Graça Morais, Júlio Pomar e Paula Rego; é de referir a escolha acertada de um quadro de Pomar onde figura precisamente o retrato de Dacosta de quem foi amigo e impulsionador do seu regresso à pintura. É de destacar um número significativo de obras dum mesmo criador contrastando com trabalhos solitários, a presença de Julião Sarmento surge no hall, como um cartão de visita, uma instalação em madeira Amazônia com a forma de uma casa rudimentar, sem janelas nem tecto, por onde se espreita entre as ranhuras das tábuas; 

O Leopardo Gelado em técnica mista e composições em grafite e gesso acrílico. Existem peças curiosas que há muito anos não as víamos expostas, com um carácter experimental mas nem por isso deixam de possuir qualidade e valor plástico tanto individualmente como integradas no percurso já firmado do artista como a escultura Veado de F. Fernandes; a composição Africa 1 e 2 – Bicho Empalhado de L. Moura. Na maior parte deste espólio reconhece-se o estilo do autor como a escultura de Francisco Tropa; os cavalos de Miguel Branco num trabalho de desconstrução sucessiva a partir de George Stubbs, que se encontram justamente numa lógica do percurso expositivo junto do filme surpreendentemente belo White Horse de Lida Abdul, artista afegã, onde paira uma certa estranheza. 

O cavalo escuro funciona como uma metáfora de uma tela quando o ator o pinta de branco para de seguida transformá-lo num objecto de consumo. É bom para o negócio, os turistas gostam do branco, diz o pintor. Produz imagens de um prazer estético, especialmente na cena em que a figura humana molha o pincel no rio e a água tinge-se de branco, em tons aguarelados e leitosos, não se importando contudo de poluir a própria natureza. 

Quanto ao elemento o fogo foi bem escolhido através das fotografias To Turn Around de G. Albergaria inspiradas no vaguear nos arredores de Berlim ou a escultura de Carlos Nogueira e o filme de A. Palolo. Existe um conjunto de peças de reconhecido mérito que são particularmente expressivas e bem resolvidas no plano plástico como nas Folhas Caídas em Poças de Rio de A. Goldsworthy, uma escultura de chão sua em arenito; saliento os pormenores dos animais de B. Pacheco. É no suporte do Desenho, pela sua técnica, que a mostra se torna imprescindível, com o conjunto de trabalhos de Jorge Castanho, os únicos que não pertencem ao acervo do CAM, que realiza num estudo minucioso de uma técnica apurada em torno de insetos voadores que se metamorfoseiam com o elemento figurativo; simples apontamentos em pequeno formato de F. Calhau, e o vídeo Walk Through que anuncia o rebentar das ondas das águas do mar. 

Na pintura não deixam de estar incluídas obras densas como o óleo de Campbell; na sábia composição minuciosa de Amourous e nas soberbas Paisagens de Rui Vasconcelos que se distinguem pela delicadeza de elementos numa profunda reflexão das florestas vindas do romantismo.


Manuela Synek