GRANDE REPORTAGEM: O futuro da música está na internet

Posted on 8/15/2012 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE



Sem gravadoras, artistas produzem e distribuem sua obra. nas redes, conquistam muitos fãs e driblam as polêmicas da pirataria. É como a indústria da música funciona hoje.






Sua mãe pode não gostar, você pode até não conhecê-los, mas o coletivo de hip hop Odd Future Wolf Gang Kill Them All, também conhecido pela sigla OFWGKTA ou apenas Odd Future, é a banda mais importante do mundo no momento. A revista americana Billboard decretou que eles são o futuro da música.





Os rappers P. Diddy e Jay-Z entraram em guerra para tentar contratá-los, mas perderam. E quando eles fazem rap e falam de cortar a garganta do cantor (e desafeto) Bruno Mars, os jovens do mundo ocidental ouvem. E normalmente eles fazem isso dentro de um ônibus, num volume muito alto.



Apesar do sucesso, dificilmente alguém compra os discos do Odd Future. O líder da banda, Tyler The Creator, tem quase 1 milhão de seguidores no Twitter e seu vídeo Yonkers atingiu mais de 40 milhões de visualizações no YouTube. Mas o primeiro lançamento do Odd Future não entrou na lista dos mais ouvidos do Reino Unido ou dos Estados Unidos.



Por mais que o disco solo de Tyler, chamado Goblin, tenha sido muito elogiado, vendeu apenas 45 mil cópias na primeira semana de vendas nas lojas americanas. Um resultado apenas satisfatório.



A indústria da música mudou. Ela encontra-se num momento em que Poker Face, música tocada 1 milhão de vezes no Spotify, tornando-se uma das mais populares no site de streaming, gerou apenas 167 dólares para sua autora, a cantora Lady Gaga.



A verdade é que as pessoas não compram mais música. Para desespero das gravadoras, cada lançamento do Odd Future é facilmente encontrado de graça online e não apenas ilegalmente. A própria banda disponibiliza músicas que seriam suficientes para produzir mais de 20 álbuns.


Essa é a parte mais esquisita da história. Os músicos do grupo estão felizes com a atual situação. Eles têm seus próprios programas na TV e os ingressos para os shows da banda se esgotam em uma questão de horas. Talvez seja o momento de parar de consolar Lady Gaga, Sting e Cliff Richard por causa da morte da indústria e começar a olhar como outras bandas estão fazendo para crescer na era digital. Veja nas próximas páginas como isso está acontecendo.



Você já deve ter esbarrado em algum site de microempréstimo, como o Prosper e o Kiva. São plataformas para pequenos pagamentos feitos por investidores que querem contribuir para um objetivo, seja a abertura de uma empresa seja a compra de um cavalo de corrida.



O mesmo processo agora está sendo usado pelos músicos, e o site Pledgemusic é um dos que está abrindo esse caminho. “Construímos um sistema que permite aos artistas chegar ao público usando e-mail, Facebook, Twitter”, diz o fundador Benji Rogers.









Durante o movimento de rock alternativo inglês dos anos 1990, o Cast foi uma das maiores bandas do Reino Unido. Seu primeiro disco foi o álbum de estreia mais vendido na história da gravadora Polydor. No final de 2011, no entanto, eles escolheram o Pledgemusic para lançar o álbum Troubled Times. “Não gosto de mídias sociais”, afirma o vocalista John Power. “Já não somos uma banda de garotos, mas o fato é que os tempos mudaram e estamos mudando também, e não travados, olhando para trás com nostalgia.”



Foi com esse mesmo sistema de financiamento coletivo (crowdfunding), que A Banda Mais Bonita da Cidade gravou seu primeiro CD, pouco depois de se tornar conhecida com o hit-chiclete Oração.



Após estourar no YouTube, em maio do ano passado, a banda de Curitiba recorreu ao site Catarse e pediu ao público para escolher (e patrocinar) suas canções favoritas. “Arrecadamos 52 mil reais e produzimos 12 faixas”, diz o tecladista Vinícius Nisi. “Oferecemos, para cada cota de patrocínio, prêmios diferentes, que vão do próprio CD a festas com a banda.”


Michael Gira, da banda americana de pós-punk Swans, adotou a mesma estratégia para financiar o último disco do grupo. Dependendo de quanto os fãs quisessem pagar, ga- nhavam capas autografadas, status de produtor executivo no próximo álbum, ingressos para shows e até teriam o nome mencionado em uma música. Que mais uma banda poderia fazer para envolver os fãs? Só se deixasse alguém tocar bateria.



No ano passado, 3,6 bilhões de músicas e álbuns foram baixados de forma legal no mundo, rendendo mais de 5,2 bilhões de dólares. Os números são da Federação Internacional da Indústria Fonográfica, a mesma associação que alegou, em 2010, que apenas 5% das faixas baixadas na web eram pagas. O restante seria pirata.









Os cálculos do chamado prejuízo da indústria são polêmicos – e há quem diga que chegam a 12 bilhões de dólares por ano. Seja qual for o número, a ideia é a mesma: ficou muito difícil fazer dinheiro vendendo singles e discos.



Madonna e outros artistas de grande porte passaram a assinar contratos baseados mais na receita de shows do que na venda de CDs. “As pessoas ainda pagam para ir ver uma banda tocar ao vivo”, diz John Power, do Cast. “As conversas nas redes mantêm os artistas na cabeça dos fãs, que vão aos shows", diz Benji, do Pledgemusic.



Os ingleses do Arctic Monkeys foram uma das primeiras bandas a entender isso. Antes mesmo de serem contratados por uma gravadora, já haviam conquistado uma legião de fãs usando o MySpace e o Bebo. Tanto que, em 2006, seu álbum de estreia bateu recorde, com mais de 360 mil cópias vendidas no Reino Unido em uma semana. “A verdade é que eles entregaram uns 50 CDs nos primeiros shows para um grupo de fãs.



Conforme os fãs compartilhavam, os arquivos se espalhavam pela internet”, diz Johnny Bradshaw, que se tornou empresário dos Monkeys.


Quanto mais as pessoas ouviam, maiores os shows ficavam. Tão grandes que eles conseguiram lotar os 2 mil lugares do The Astoria, em Londres, antes de terem uma gravadora. O mesmo aconteceu com a americana Lana Del Rey e com o paulistano Emicida. A diferença é que a cantora de indie pop assinou um contrato, e o rapper brasileiro, que estourou com a ajuda do MySpace, preferiu se manter independente. É ele quem produz, grava e vende seus discos por selo próprio, o Laboratório Fantasma.



Outra estratégia é convidar fãs em potencial para assistir shows gratuitamente, fazendo a transmissão ao vivo pela web. O grupo Los Hermanos transmitiu pelo Facebook uma apresentação, em abril deste ano.









John Bonini, gerentede marketing da agência Impact Branding and Design, disse ao jornal americano The Wall Street Journal que Lady Gaga fatura quase 30 milhões de dólares ao ano com seus tuítes. Como isso é possível? Para David Collyero, dono de outra agência especializada em bombar músicos no meio digital, a primeira coisa que alguém faz quando ouve um novo artista é dar um Google nele. “Você precisa se manter atualizado no online para sobreviver”, afirma. E um dos melhores jeitos é usar o Twitter.



Ao se manter conectadas com os fãs, as bandas empolgam mais e tornam os fãs parte de sua vida. Assim eles ficam mais propensos a gastar em um disco.



Que o digam os garotos do Restart, a banda que enlouquece adolescentes em todo o Brasil. “A internet foi, no começo, o único meio de divulgar nosso som”, diz Pedro Lucas, o Pe Lu, um dos vocais e guitarrista do grupo. Desde 2008, a banda usa as redes sociais para manter uma relação próxima com os fãs. Tanto que a “família Restart” soma no Twitter quase 4 milhões de membros.



Para dar uma ideia do tamanho do poder do Google na indústria musical, Chris Martin, do britânico Coldplay, disse que o único arrependimento em relação ao seu mais recente disco foi de tê-lo chamado de Mylo Xyloto, “Duas palavras que não dá para pesquisar no Google, porque ninguém sabe como escreve”.


A americana Rihanna também tem um nome difícil, mas isso não parece prejudicar sua carreira. A cantora faz um verdadeiro bombardeio multiplataforma e tem mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube, 54 milhões de curtir no Facebook e 16 milhões de seguidores no Twitter. Com números mais modestos, mas também grandes, Ivete Sangalo foi apontada a personalidade brasileira mais influente das redes sociais em abril, pela LabPopContent.



Já a banda Móveis Coloniais de Acaju lançou o clipe Vejo em Teu Olhar com fotos enviadas pelos seus seguidores no Instagram (foram mais de 6 mil cliques). “Nos preocupamos com a indexação do Google”, diz o produtor Fabrício Ofuji. “Quem digita Acaju nos encontra na primeira página.”









Quando os ingleses do Radiohead lançaram o disco In Rainbows, em 2007, disseram que os fãs não pagariam nada, ou dariam quanto quisessem. O Radiohead não foi o primeiro grupo a distribuir música de graça, mas em uma jogada inteligente, tornou-se a maior banda indie do mundo.



No cenário independente, o download gratuito é quase uma regra. Em 2008, a banda paulistana Garotas Suecas já tinha suas faixas livres na web. Com uma parceria com um selo americano, o quinteto gravou o primeiro disco completo, também colocado na rede. “Se você disponibiliza um som de boa qualidade está incentivando as pessoas a ouvir e a se aproximar da banda”, diz a tecladista Irina Bertolucci.



Não dá para subestimar o poder que a amostra grátis tem. Gaby Amarantos começou distribuindo CDs de graça em Belém, no Pará, até que estourou como a diva do tecnobrega. Com Hoje Eu Tô Solteira, fez sucesso no YouTube, ganhou o apelido de "Beyoncé do Pará" e foi para a TV. Hoje o cachê para shows varia entre 25 mil e 50 mil reais, mas Gaby ainda mantém o download de algumas faixas gratuitas em seu site.



As estrelas da música da próxima geração vão comandar o mundo de seus quartos, usando laptops e smartphones. Tudo o que os artistas precisam ter é talento e banda larga.