Código Michelangelo: «segredos» vaticanos revelados

Posted on 7/22/2008 by UNITED PHOTO PRESS

Supus que isso seria inevitável. Após Dan Brown ficar rico por vender Jesus – com Maria Madalena e Leonardo Da Vinci misturados para uma boa receita – foi só um pouco de tempo até que algum aventureiro autor voltasse sua atenção a Michelangelo.
Mas este livro, diferentemente do «Código Da Vinci», não teve a decência de ser classificado de ficção.
«The Sistine Secrets: Michelangelo’s Forbidden Messages at the Heart of the Vatican» (Os segredos da Capela Sistina, Mensagens escondidas de Michelangelo no coração do Vaticano. N.d.T.), de Benjamin Blech e Roy Doliner, pretende revelar como Michelangelo deixou mensagens secretas de ensinamento cabalístico e sentimentos anti-papais enquanto pintava a Capela Sistina.
O livro é um «Código Michelangelo» do tipo, mas como o romance de Dan Brown, ele não oferece uma evidência documentária e nem uma nota de rodapé para sustentar suas afirmações.
Como alguém que guiou muitas visitas à Capela Sistina, a primeira coisa que me estarrece sobre o livro foi como as afirmações de Blech e Doliner giram em torno das perguntas mais freqüentes dos visitantes da capela.
Por que existem muitas imagens do Antigo Testamento em uma capela cristã?, muitos perguntam quando vêem o ciclo de Moisés nas paredes e o Gênesis, pintado por Michelangelo no teto.
Os autores declaram que Michelangelo mudou seu encargo original dos Doze Apóstolos pedido pelo Papa Júlio II para o Gênesis por causa de uma secreta simpatia pelos Judeus. Mas o Papa Sisto IV, tio de Júlio, havia contratado os melhores pintores de Florença 25 anos antes para decorar os painéis mais baixos com histórias de Moisés em paralelo com a vida de Cristo.
Como os historiadores da arte e teólogos sabem, o foco dessas imagens foi representar o fluxo contínuo do Antigo Testamento para o Novo Testamento, o cumprimento da aliança de Deus com o homem através da vinda de Cristo. Como uma capela consagrada onde o Papa celebraria a Eucaristia 40 vezes ao ano, o tema do plano de Deus para a salvação do homem começando da origem de nossa necessidade de sermos salvos foi uma escolha apta para o teto.
Mas para Michelangelo, o tema do Gênesis ofereceu a possibilidade de cumprir algo nunca feito antes: pintar uma narrativa a 18 metros do chão e fazê-la visível do solo através de sua exclusiva pintura escultural.
Doliner e Blench insistem que Michelangelo aprendeu sobre a Cabala, uma forma de Gnosticismo Judaico, nos jardins de Lorenzo de Medici, em Florença, quando foi estudar escultura aí aos 15 anos de idade.
Eles sugerem que Pico della Mirandola foi a origem do interesse de Michelangelo na Cabala.
Pico, um filósofo e humanista, formou uma teoria sincretista com o antigo ensinamento de Platão aos escritos árabes de Averróis, da Cabala à Bíblia. Como as «Sententiae» de Tomás de Aquino, Pico sonhava em defender sua teses diante de um congresso internacional de eruditos, mas muitas de suas teses foram condenadas como heréticas e fizeram Pico retirar-se para Florença.
Pico, no tempo em que Michelangelo o encontra, estava proximamente ligado a Giacomo Savonarola, o famoso pregador Dominicano de Florença. Por isso, Pico já tinha abjurado suas teses heterodoxas.
Os autores passaram por alto que Michelangelo pertencia à terceira ordem franciscana, como seu herói Dante, bem como o fato de que enquanto Michelangelo nunca tenha mencionado Pico, ele sempre mencionava os sermões de Savonarola através de sua vida.
Mas o que eles visivelmente negligenciam é que Michelangelo pegou um martelo e um cinzel em suas mãos pela primeira vez e embarcou no maior amor de sua vida, a arte pela escultura. A mensagem de Michelangelo não seria interessante para nós se sua arte não fosse poderosa, e que a riqueza de seus trabalhos viessem da prática incessante de sua arte. Nós o consideramos hoje por seu extraordinário talento, o qual ele reconhecia como recebido de Deus.
Então como Doliner e Blench transformam-no em um propagandista com sentimentos judaicos secretos e uma agenda anti-papal?
Baseando-se em um artigo de 1990 do Dr. Frank Meshberger no Journal of American Medicine, onde ele propõe que o envoltório de Deus na criação do Homem foi desenhado como um corte do cérebro humano, os autores tomam a idéia, especulando que é o lado direito do cérebro que, de acordo com a Cabala, contém o conhecimento secreto dado por Deus.
Mesmo se a teoria de Meshberg fosse correta, uma pessoa poderia simplesmente dar uma olhada no Evangelho de João 1:1, «No início era o Verbo», uma fonte na qual Michelangelo certamente estava mais familiarizado, para encontrar a idéia de Deus como Logos.
Muitos turistas através dos anos imaginaram porque Deus, na criação do sol e da lua, é tão proeminentemente mostrado pelas costas.
Nas mãos desses autores, o velho e cansado guia brinca que isto foi a origem do termo «mooning» (abaixar as calças e mostrar as nádegas em sinal de desprezo, N.d.T.), tornando-se a base de sua teoria anti-papal. Eles afirmam que Michelangelo fez Deus «moon» o Papa, porque ele estava tão irado com o fato de ter de pintar a capela ao invés do trabalho de escultura que lhe tinha sido prometido.
Daqui eles extrapolam que Michelangelo estava chateado com a corrupção da corte papal, bem como com o tratamento que a Igreja dava aos judeus e adicionou outras figuras fazendo gestos obscenos para o Papa. Além do fato de que estes outros gestos não estejam em lugar nenhum para serem vistos, é irônico que dois escritores que se dizem estar familiarizados com as Escrituras Hebraicas tenha esquecido a mais óbvia referência bíblica às «costas» de Deus, quando Moisés, no Êxodo, cap. 33, pede para ver Deus em sua glória e lhe é negado porque ninguém pode ver a face de Deus e viver.
Deus, para mostrar sua preferência a Moisés, permite-lhe ver somente Suas «costas». O entendimento cristão desse evento é que no Antigo Testamento o homem não podia ver a Deus, mas com o Verbo feito carne, todos podem finalmente olhar a face de Deus.
Este ponto teológico, que justifica a arte Cristã, explica porque os cristãos possuem uma cultura visual e porque Michelangelo poderia se atrever a pintar Deus.
A razão porque Doliner e Blech têm uma capela para estudar é porque as pessoas que se reuniram nesse espaço e o homem que a pintou acreditavam que Deus se tornou homem em Jesus Cristo, o Verbo feito carne, e nesse espaço durante a Missa, nós podemos reviver o encontro com o Deus vivo.
Por fim, os autores afirmam que Michelangelo, vantajosamente empregado e grandemente respeitado entre os muros do Vaticano, estava traindo a confiança depositada pelo Papa e pelos teólogos da Cúria, para divulgar seus próprios interesses nas paredes da Capela Sistina.
Talvez não seja surpreendente que esta idéia ocorresse ao co-autor Roy Doliner, que a despeito da falta de qualquer educação formal em história da arte ou teologia estava habilitado a ganhar visitas com acesso livre aos Museus Vaticanos. Ele firma sua própria agenda em imagens isoladas da capela sem nenhuma consideração pelo significado e função da capela como um todo.
O livro está repleto de sentimento anti-papal, apesar do que Blech fala de João Paulo II e do «bom Papa João XXIII».
De acordo com estes autores, o Papa, sua Cúria e corrente sem fim de teólogos, historiadores, santos e filósofos que meditaram na capela, estavam cegos para este «código»; somente a sabedoria de Doliner e Blech poderia ver a mente e o coração de Michelangelo. Gnosticismo no que há de melhor.
Enfim, a interpretação de Doliner e Blech da capela espelha outros que vêem a capela como um tipo de manifesto Protestante, e é ligeiramente mais plausível que outra recente teoria que diz que a capela contém mensagens secretas de alienígenas.
Estudiosos de gênero, psicólogos, ativistas gays e milhares de outros viram a si mesmos refletidos no teto e colocaram Michelangelo em sua própria linha de pensamento ao longo dos anos.
Linha final: Se alguém pode se ver refletido no teto da capela, isso faz Michelangelo bem mais universal. E esta não é a definição de Católico?
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Neste tempo em que o Santo Padre deixou Roma e viajou para a Austrália, uma órfã cidade prosseguia sua rotina em dias de verão empalidecidos.
Um dos destaques deste mês é a “Festa dei Noantri”, feriado que celebra a identidade singular dos residentes no bairro Trastevere, quando a estátua de Madonna del Carmine sai em procissão pelas igrejas locais e também em barco, ao longo do rio Tibre.
Muitas outras festas comemoram dias nacionais de independência, como dos Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Peru, Egito e França (julho parece ser um mês popular para proclamar a independência).
Mas uma celebração discreta surpreende tanto os romanos quanto os turistas que afluem para as atividades ao redor da igreja de Santa Maria Madalena, perto do Pantheon.
Pessoas locais e visitantes aprendem sobre a extraordinária vida de São Camilo de Lellis, que viveu naquela igreja antes de sua morte, no dia 14 de julho de 1614.
Camilo de Lellis nasceu em 1550 numa cidade de Chieti, filho de um soldado mercenário. Camilo foi viciado em jogo, um soldado da fortuna e da decadência, e em duas ocasiões recuou em seu ideal franciscano.
Como a muitos outros, a Cidade Eterna ajudou São Camilo a encontrar seu caminho.
Assolado por uma chaga no pé, Camilo foi se tratar no Hospital Santiago, em Roma. Como não tinha dinheiro para o tratamento, ofereceu seus serviços como enfermeiro no hospital.
Ali, Camilo encontrou a cura para seu mal espiritual, ao se doar aos outros. Ele e seus seguidores se tornariam os ministros dos enfermos, como seriam chamados ao redor do mundo.
Anexa à Igreja de Madalena é a residência dos camilianos. No dia da festa, todos são convidados a conhecer a história da ordem e de seu santo fundador.
Foi difícil para mim encontrar espaço na capela, onde muitos fiéis se ajoelhavam para adorar o Santíssimo Sacramento e reverenciar a relíquia do coração de São Camilo.
Dois extraordinários quadros alinham-se ao longo da capela. Pintados com a visão peculiar do artista do século XVIII Matteo Toni, eles permitem aos visitantes testemunhar os últimos momentos da vida do santo.
O primeiro representa o viático, ou última comunhão de padre Camilo, dada a ele amavelmente por um cardeal. Camilo ergue sua cabeça para receber a eucaristia, seu corpo está doente, mas o espírito se fortalece para estar com Deus.
A segunda obra captura o momento da morte do santo. Da entrada da capela, se vêem muitos camilianos ao redor do santo. Um franciscano e outro religioso aparecem no altar em direção ao corpo de Camilo.O santo parece dormir pacificamente -- quase sorrindo --, testemunho de uma morte em paz, rumo ao Paraíso.
Pelas cenas da passagem de Camilo ao céu e seus objetos pessoais dispostos em uma caixa do outro lado da porta, um passo a mais e se adentra em um ambiente que reconta histórias dos camilianos e de Roma.
Os seguidores de São Camilo tomaram um quarto voto: servir aos doentes mesmo se suas próprias vidas estiverem em risco. Muitas vezes, os camilianos fizeram valer este voto em áreas e períodos complicados, como locais assolados pela praga ou, como ficou imortalizado na arte e na história, carregando os doentes para fora do hospital, quando um transbordamento do rio Tibre ameaçou submergir o prédio.
O edito de Clemente VIII que em 1594 aprovou a ordem, as listas das enfermeiras durante epidemias, as histórias e relíquias de camilianos que iniciaram o caminho da santidade e retratos dos 57 superiores gerais da ordem narram a longa história dos camilianos e da Cidade Eterna.
Um surpreendente documento foi difundido pelo General Stahel durante a ocupação nazista de Roma, em 1943. Ele declarava que a casa dos camilianos estaria livre de buscas e capturas pelas soldados.
A festa de São Camilo é um sinal significativo para todos aqueles que vêm a Roma de que é possível obter a graça de encontrar o próprio caminho e o seu propósito de vida.