Maria Bonomi é homenageada na Bienal do Recôncavo

Posted on 6/19/2008 by UNITED PHOTO PRESS

Maria Bonomi é uma ativista da arte. Da arte pública, sem censura ou qualquer tipo de limitação, gratuita e acessível. Da arte perene, que resista à efemeridade frufru dos eventos. Artista por excelência, transforma suas ferramentas de gravurista em instrumento político, a cada sulco que desenha na matriz de nossa cultura. Presente nas mais importantes coleções nacionais e internacionais do gênero, participa este ano da IX Bienal do Recôncavo. Se inscreveu como outros 1.379 participantes, mas tão logo o júri se deparou com seu nome, decidiu que ela seria a artista homenageada.
“Fiquei bastante comovida porque houve uma sintonia com o que eu estava mostrando ali. A Bienal é uma nova praça que traduz em liberdade o peso da tradição do recôncavo, ao apontar para a indagação. Minha tentativa é a de também participar dessa busca”, observa, por telefone, a artista nascida na Itália e naturalizada brasileira. São mais de 50 anos de arte, mais de 70 de estrada e um fôlego que não acaba nunca. “A homenagem me engrandeceu e me equilibrou por me ajudar a descobrir que estou fazendo as opções corretas”, afirma.
Para os organizadores da Bienal, que acontece de 8 de novembro a 8 de fevereiro de 2009, em São Félix e em Cachoeira, a participação de Bonomi foi recebida como um presente. “Ficamos muito contentes. Tê-la como homenageada foi o caminho natural”, observa Pedro Arcanjo, diretor do evento, que tem seu juri formado pelos artistas plásticos Juarez Paraíso e Ayrson Heráclito e pelo videomaker Flávio Lopes. O trabalho de Bonomi Man at first (2007) estará presente na Galeria do Centro Cultural Danneman, onde ficarão também parte das 258 obras selecionadas para esta Bienal – outra parte delas estará nas ruas ou em outros espaços públicos.
“É uma gravura que se instala no forro do espaço expositivo, com imagens de seres pré-históricos, paleolíticas, impressas em um papel especial, cem por cento vegetal. Algumas delas estão em tiras desse mesmo papel que, com o tempo, começam a pender da gravura”, explica a artista. As figuras são resultantes da pesquisa realizada por ela para o projeto Etnias do Sempre e Primeiro Brasil, uma das maiores obras de arte pública instalada em São Paulo, construída por Bonomi e sua equipe no espaço que liga o Metrô Barra Funda ao Memorial da América Latina.
Sem ranços - Com a vivacidade de quem tem sempre uma nova idéia para transformar em prática, uma matriz para ser entalhada ou uma causa a defender, Bonomi conquista pela simplicidade, simpatia e objetividade de sua fala, mesmo em questões mais delicadas. “A Bienal do Recôncavo parece estar livre dos ranços acadêmicos paulistas e cariocas onde, salvo as exceções, temos sempre os mesmos nomes, as mesmas galerias apresentando um caldo requentado onde a novidade é fabricada dentro das universidades”, ataca. Bonomi diz não gostar dessa história de “novo”. “Nunca pensei em renovar tendências. Sigo infinitas e secretas possibilidades da gravura implícitas em seu âmago”, já declarou mais de uma vez sobre a forma de expressão que considera uma eterna mutante.
Sua relação com a Bahia não é de hoje e data da época de sua convivência e de sua família com a arquiteta Lina Bo Bardi. “Visitei a Bahia na época em que ela estava construindo o MAM”, lembra. A artista participou da I Bienal Internacional da Bahia, em 1967. Dez anos antes, quando o pintor Carybé expôs pela primeira vez em Nova York, lá estava também Maria Bonomi, em uma das importantes fases de sua formação, no mesmo período em que, ao lado do escultor Mário Cravo, auxiliou o pintor italiano Emilio Vedova em seus trabalhos nos ateliês de Berlim e de Veneza.
“A Bahia precisa mais de arte pública e tem um campo imenso para isso. Falo de manifestações plásticas externas, fixas e gratuitas e que falem da realidade dos que estão lá, que criem referências para as pessoas que ocupam determinado espaço”, defende. Dona de uma obra marcada pela qualidade e autenticidade, preocupando-se em ser ética a cada decisão estética, trouxe para sua vida o que talvez seja um dos principais ensinamentos de sua arte: retirar os excessos.
“Procuro apresentar fora do Brasil uma arte não excêntrica, não decorativa ou folclórica. Muitos artistas se contentam em exportar obras como florzinhas. Nossa realidade não são as florzinhas. Minha posição política está em selecionar o que mostramos de nós e em combater esse folclore para exportação”. Outra de suas frentes está na defesa de obras permanentes. “Vejo com tristeza, por exemplo, galerias comerciais que utilizam verbas públicas para realizar suas mostras, seus eventos fechados. A prioridade deve ser dada para o que é público e perene”.
Permanentemente questionada sobre os destinos da arte no país, ela, que também é escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista e cenógrafa, é bastante direta quando o assunto é a Bienal de São Paulo. Com a instituição Fundação Bienal atravessando uma das piores crises de sua história, o curador Ivo Mesquita fez um projeto ousado, de uma Bienal sem obras, colocando em questão o vazio.
“Teoricamente, o projeto do Ivo Mesquita me encanta muito, pois sempre defendi uma arte anterior ao consciente, mas politicamente não. O projeto atende a pessoas que já transitam dentro de determinados códigos, mas não aos excluídos que precisam desse lugar para se manifestar”. É como se possiciona a menina nascida em 1935, em Meina, na Itália, “meio por acaso”, como ela faz questão de ressaltar.