A Gaiola Dourada - Entrevista com Ruben Alves

Posted on 9/01/2013 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE


O Verão 2013 já está no final, mas ainda há uma novidade destinada a marcar a estação. A Gaiola Dourada, o primeiro filme francês a falar da comunidade de imigrantes portugueses em França, estreou nos cinemas de Portugal e, já com mais de um milhão de espectadores lá fora, está pronto para conquistar também o público internacional.

Depois de estar presente na ante-estreia do filme em Lamego, Duarte Neves foi falar com Ruben Alves, o realizador luso-descendente de A Gaiola Dourada, para descobrir o que está por trás de tamanho sucesso. 

Ruben, o teu filme tem sido muito falado e sempre pelos melhores motivos. Pessoalmente, fiquei marcado pela riqueza artística do filme. Queres-me falar um pouco sobre essa parte?

Artisticamente, eu sabia muito bem o que queria, mas como tinha algumas dúvidas quanto à execução, circundei-me de técnicos muito bons. Depois encontrei-me com todos os directores de cada departamento e comecei com um- “É o seguinte: preciso de vocês!”. Ao Director de Fotografia, oAndré Szankowski, disse que queria uma coisa quente. No começo disse dourado, mas depois quando comecei a ver que estávamos a cair no brilhante acabámos por chegar ao tom acastanhado. Basicamente, queria uma coisa quente, queria que, ao entrar no filme, o expectador se pudesse sentir num casulo. Aliás a revista Elle francesa disse justamente isso, que era a gaiola onde gostaríamos de estar para sempre. E, de facto, essa foi a primeira sensação que queria proporcionar: entras nesta família portuguesa e queres ficar, porque é quente, é acolhedora e sentes-te bem. Depois há também o facto de, artisticamente, gostar de cores. Agora por exemplo estou numa fase de encarnados. Chegou o vermelho à minha vida!

O filme tinha muitos tons vermelhos?

Eu queria! Eu queria encarnado em todo o lado.


Quando escreveste já tinhas ideias de cores e tons?

Não, foi tudo durante o desenvolvimento do filme.

Voltando ao André Szankowski, disseste há pouco que te circundaste dos melhores, mas há muitos “melhores” sobretudo em França com uma indústria do Cinema tão forte. Por quê o Szankowski, então?

Queria trazer elegância para a comédia. Ou seja, não queria uma comédia óbvia. Sobretudo porque em França as comédias que funcionam e que são muito comerciais são com tons muito claros, os planos são todos muito fechados porque tem de se ver bem tudo, tem de se rir da cara das pessoas. E depois por outro lado, quando se pretende ser um pouco mais artístico, já se vai para os planos mais longos, com planos-sequência, etc… No meu filme acho que tentei fazer uma mistura dos dois. Acho que dá para fazer um filme para um grande público, mas com elegância. Quando vi o trabalho do Szankowski nos Mistérios de Lisboa, tive a sensação de estar a ver quadros. Cada vez que eu via uma cena era como se fosse um quadro que estava a ver no Louvre. Bom, claro que isso faz parte do trabalho do Raul Ruiz, mas também a luz que fez o André era muito estética, pura e elegante e eu queria que ele trouxesse isso para o meu filme. Ou seja, queria que cada cena pudesse ter os tons quentes mas queria que fossem bonitos e com essa elegância. É certo que há muito bons Directores de Fotografia em França, mas eu tinha a certeza que com ele ia conseguir ter essa elegância. Depois, precisava de alguém que pudesse traduzir esta alma portuguesa. Também havia o facto de o André ter vivido a sua adolescência em França e ele, mais do que ninguém, perceberia esta esquizofrenia, esta dualidade do emigrante.


O filme em França apresenta-se como uma comédia de comunidades com uma forte aposta comercial. Tiveste dificuldades ou conflitos com a produção por teres feito estas escolhas artísticas?

Não houve conflitos. Para já, a produção teve a preocupação de avisar o Director de Fotografia para não se esticar muito nos escuros. Eu próprio também não queria cair no drama. Acho que se pode fazer uma comédia bonita, e isso não precisa de passar por planos enigmáticos e profundos. Eu quero ver os actores, quero vê-los reagir, quero ver os decors, quero ver as coisas; mas sempre com elegância. Não tive problemas com a produção porque os produtores perceberam logo que havia ali um grande equilíbrio. Agora é claro que se tivesse feito o filme em tons mais claros e com mais luz, sem duvida que teria tido muito mais publico.

Estás a dizer que se o filme tivesse sido mais branquinho tinha havido mais entradas? 

Sim claro, até na escolha do título por exemplo. Se tivesse feito com um nome tipo “Os Tugas” ou essas coisas muito brejeiras, fazia muito mais entradas. No cartaz, por exemplo, a Pathé, a produtora, queria pôr uma Torre Eiffel lá atrás, um recurso mais do que visto… É claro que não quis isso. Mas sei que com essa Torre Eiffel podia ter vendido para muitos mais países. Aliás, eles que já têm mais de 20 anos de experiência nisto disseram logo “ok, não queres a torre Effeil… 150 000 espectadores a menos.” Eles já sabem… 150 000 espectadores a menos. Achas normal!? E ainda por cima, eles têm razão!

Ou seja, tu entraste na Pathé como o cavalo de Tróia?

Sim porque eles são tão comerciais que não dava para jogar o mesmo jogo. Eu tinha que contrabalançar. Aliás, na primeira versão do argumento do filme, eles disseram-me “Não te esqueças que estás a fazer uma comédia!”.


E, justamente, voltando à parte da direcção de arte, os planos estão cheios de pequenos detalhes cómicos, como a lareira por exemplo. Isso já estava no guião?

Muitas das coisas sim, a lareira na televisão sim. Mas há outras coisas que não. O quadro no hotel, por exemplo, foi o meu Chefe Decorador que encontrou. Eu queria algo super chique mas, ao mesmo, tempo moderno. Queria misturar os dois. Falei com ele e disse: “sabes aquela coisa de revistar a estética de Luis XIV?”. Vai daí, ele encontra-me estes painéis. E, claro, quando vi achei perfeito. Depois, foi só enquadrar para dar ainda mais amplitude à situação. Mas fundamentalmente, 80% das ideias já estavam no guião. Depois, há 20% de improvisação. Os quadros do Geoffrey Guilin que aparecem por trás, no escritório do patrão, surgiu num encontro com o artista que me disse que adorava a Chantal Lauby. Eu disse então “desenha-me um quadro dela e do Roland Giraud”, e foi assim. Mas tudo isto aconteceu porque o chefe decorador me avisou que já não tinham mais orçamento para decorar o escritório do Roland Giraud, que já não havia dinheiro. Então, para além destes dois quadros, ainda há um painel que é feito com um sinal de sentido proibido decorado com marshmellows brancos e com rebuçados de morango que colámos lá para dar mais cor.


E o quadro que está à cabeceira da cama da Maria?

Esse é de um artista português que vive em França, o João Pereira, que faz estes quadros em renda de papel. Vi isso uma vez exposto em Paris na loja Comme à Lisbonne. Os quadros expostos eram como os do filme, mas com o rosto do Saramago e do Alexandre O’Neill. Eu achei logo genial e perguntei se não tinham da Amália. E, claro, tinham…


E peças tuas?

Foram a casa do meu pai buscar um camião cheio de objectos. Aliás, o meu pai da primeira vez que viu o trailer disse: “Ah… a minha taça no filme!”. Num filme inteiro a única coisa que conseguiu ver foi a sua taça!

Pelos vistos funciona…

Sim, funciona. Agora também há coisas que não se notam. Por exemplo, o cadeirão da cena em que a Chantal Lauby escorrega. Imaginou-se que esse cadeirão pudesse ter sido dado pela Madame Reichert (a directora do condomínio onde trabalha a Maria). Tratar-se-ia de uma poltrona muito cara mas que já estava com um buraco no forro e que por isso ia para o lixo. O detalhe que ninguém há-de notar é que o tecido do cadeirão é o mesmo dos cortinados . Ou seja, é um grande delírio, mas na minha cabeça foi assim, ela recuperou o cadeirão da Madame Reichert, e com as sobras dos cortinados aproveitou para forrar o cadeirão. No fundo, cada objecto tinha uma história por trás para ajudar à caracterização. Eu estava um bocado histérico com isso!


Tu não dormiste?

Sim, era eu com isso e o André Szankowski com o enquadramento dos cabelos, porque ele não gosta de cortar as cabeças, quer dizer, até dá, mas com muitas complicações. Era isso tudo e o facto de eu não querer que fossem feitos erros de continuidade que muitas vezes ajudam a resolver certos problemas de enquadramento. Às vezes diziam-me: “ninguem vê isso”. Mas eu odeio. Faz-me sair do filme.

As pessoas ficaram tão emocionadas com o teu filme que imagino que muitas poucas terão comentado a sua componente artística, que pelos vistos vai bem mais além de simples detalhe. Isso não te deixa um bocado frustrado?

As pessoas quando gostam de um filme gostam um bocado de tudo, maspara mim o mais importante ainda é as pessoas saírem de um filme emocionadas. O resto, tenho quase vontade de dizer que é tudo treta. Ou seja, prefiro que as pessoas saiam emocionadas de um filme mesmo se o filme estiver com uma luz horrível ou com um decor péssimo do que o contrário. Se só tens técnica e está tudo muito bonito para mim é um filme publicitário. Não quero ver uma publicidade quando vou ao cinema.


Qual foi a tua referência?

Não tinha um filme referência, falava mais em vários filmes e queria transmitir aquilo que transmitem os filmes orientais, mais particularmente os libaneses. Mas sim, é verdade que falava muito do filme Caramel da Nadine Labaki, era um filme com uma dimensão artística que gostava muito.

Achas que o um dia o teu filme vai ser uma referência?

Em termos artísticos não sei, também é muito cedo, mas em França já ouvi dizer que queriam lançar um filme como A Gaiola Dourada, um pequeno filme que ninguém está à espera, sem casting de pessoas conhecidas, mas que depois faz um “boca-a-boca” impressionante. Ou seja, pelo menos já é uma referência na promoção.

Entretanto, apareceram umas pessoas que reconheceram o Ruben e que o vieram cumprimentar. Sentaram-se à mesa connosco, e surgiram outras perguntas do tipo “então, como é que está a correr?”, “as pessoas estão a gostar?”, “estás contente?”. E lá pelo meio da conversa ainda se voltou a falar da componente artística, mas a entrevista já tinha terminado.

Texto: Duarte Neves