Escultura como pintura como escultura

Posted on 3/13/2013 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE

A exposição O Corpo e a Linha, no Teatro da Politécnica, ao Príncipe Real - ENRIC VIVES-RUBIO
“A figuração é o sagrado da arte”, diz, a dada altura, Sérgio Pombo. Estamos no jardim das traseiras da casa deste artista, na Parede. Lá dentro, antigas escadarias vão subindo entre salas e corredores. É de andar em andar – quantos? três?, quatro? – até ao sótão, onde está o atelier, que fica ainda abaixo de duas torres altas.

Lá em cima, veremos, gravura após gravura, como certos elementos plásticos, normalmente figuras, viajam no tempo, desaparecendo da narrativa da sua obra num momento para ressurgir noutro, repetindo-se em diferentes composições, sob diversas peles. Será depois. Por agora, aqui, junto ao chão, sobre o relvado, dois gatos malhados aparecem a correr. Um deles pára a observar-nos. Depois espreguiça-se ao sol e põe-se a afiar as unhas no tronco rugoso de uma antiga figueira retorcida e larga, a crescer quase na horizontal. Entre nós e ele ergue-se uma barreira de perfis humanos.

São homens, todos de costas viradas para nós, pés fortes bem assentes no chão, gémeos protuberantes, ombros largos e direitos, omoplatas firmes, cinturas musculadas e estreitas, como Apolos.

Na pintura, e também na escultura de pequenos e médios formatos de Sérgio Pombo, as mulheres são mais habituais. São presenças normalmente fragmentadas – uma parte de rosto emoldurada por uma mecha de cabelo esvoaçante, uns joelhos a continuar para as coxas que se perdem no interior de uma mini-saia ínfima… São figuras pop, coloridas, variadas. Os homens são de outra têmpera. Quando surgem, são como aqueles que temos agora à frente – atléticos e fortes, uns quase portentos, quase clássicos, não fora também eles serem um corte do humano, sempre incompletos, não propriamente indivíduos, mas, antes, imagens. 

Sérgio Pombo ri-se. “Não sei explicar porquê.”

Sempre foi assim. E as esculturas que a partir desta quarta-feira e até 27 de Abril compõem a exposição O Corpo e a Linha, no Teatro da Politécnica, ao Príncipe Real, em Lisboa, são disso testemunho. São reaproximações a uma peça que, nos anos 1960, foi comprada e depois se perdeu, destruída numas mudanças.

Jorge Silva Melo, director e programador dos Artistas Unidos, na Politécnica, fala destas presenças como pintura. Diz que em Sérgio Pombo “tudo é pintura, irredutivelmente pintura, mesmo quando é escultura”. Fala também numa referência para a sua geração de que, em vários momentos, fomos perdendo rasto, para depois reencontrar pontualmente. Por exemplo em exposições da Gulbenkian, que tem várias das suas obras na colecção.

Ligado ao chamado Regresso à Pintura, que nos anos 1980 procurou uma ruptura com o conceptualismo da década anterior, Sérgio Pombo “promete-nos o humano, o humano presente, o humano simplesmente, a vida de hoje, esta, sufocantemente bela na sua crueza rápida”, diz Silva Melo. Mas também cita Job, depois feito verso camoniano, no seu “o dia em que nasci morra e pereça”. É uma maldição que talvez deixe mais presente a “imensa solidão” destas figuras – que é a nossa.

VANESSA RATO