Sexo e morte marcaram a obra de Nagisa Oshima

Posted on 1/16/2013 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE


A morte do cineasta japonês Nagisa Oshima, vítima de uma pneumonia aos 80 anos, pôs termo a uma vida em que a dedicação aos filmes foi interrompida pelos problemas de saúde do realizador de 'O Império dos Sentidos'. O realizador de O Império dos Sentidos e Feliz Natal, Mr. Lawrence, um dos mais importantes nomes do cinema japonês do século XX, morreu num hospital de Kanagawa, a sul de Tóquio.

Sexo explícito e violência conquistaram plateias ocidentais, preparando-as para outras obras sobre homossexualidade e obsessão.

'O Império dos Sentidos', lançado em 1976, apresentou ao Mundo um cineasta que já celebrara os 40 anos,Eiko Matsuda e Tatsuya Fuji interpretaram um casal unido por uma relação obsessiva e que não podia terminar bem. As plateias ocidentais ficaram fascinadas com a junção de sensualidade e tragédia da obra mais conhecida de Oshima.

Dois anos mais tarde, 'O Império da Paixão' valeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes ao realizador japonês. Tratava-se novamente de uma história que misturava amor, sexo e morte no país do sol nascente.

O sucesso dos dois filmes anteriores permitiu a Oshima contratar David Bowie para o polémico 'Feliz Natal, Mr. Lawrence'. Bowie fazia de prisioneiro de guerra britânico apaixonado pelo seu captor nipónico, que foi interpretado pelo compositor Ryuichi Sakamoto.

"O meu pai morreu tranquilamente", disse à AFP o seu filho mais novo, Arata, precisando que o cineasta se encontrava internado desde o ano passado e que faleceu rodeado pela família, entre os quais a mulher, Akiko.

A primeira longa-metragem de Oshima foi Uma Cidade de Amor e Esperança(Ai to Kibo no Machi), de 1959, tendo logo aí firmado uma temática que iria percorrer a sua obra: os deslocados, as personagens mal amadas e à margem de uma sociedade. Já Feliz Natal, Mr. Lawrence, um filme de guerra protagonizado por David Bowie, que interpreta um prisioneiro britânico num campo japonês, e pelo compositor Ryuichi Sakamoto, que veste a pele de um militar japonês que dirige o campo, mereceu a Nagisa Oshima a entrada a concurso para a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1983. Seria o seu único filme em inglês, onde o realizador tenta resgatar a memória do comportamento do Japão na Segunda Guerra Mundial. O filme explora a relação homoerótica entre Bowie e Sakamoto, contando ainda com a presença do actor e realizador Takeshi Kitano.

Nascido a 31 de Março de 1932 em Quioto, no meio de uma família aristocrática e tradicional, Nagisa cedo se interessou por causas estudantis e por política. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Quioto, onde liderava actividades estudantis de esquerda, e especializou-se em História Política. Mais tarde, tornou-se crítico de filmes e editor da revista de cinema Eiga Hihyo. Foi nos estúdios Shochiku que aprendeu a filmar, trabalhando como assistente de realização. 

Nagisa Oshima foi um dos nomes-chave da “nova vaga” japonesa conhecida como nuberu bagu, iniciada em finais dos anos 1950 por uma geração de jovens realizadores que trabalhava dentro do sistema de estúdios nipónico, da qual faziam igualmente parte Shohei Imamura, Kaneto Shindo, Masahiro Shinoda ou Seijun Suzuki. A carreira dos velhos mestres acabava, o cinema era cada vez mais ameaçado pela televisão, um novo público chegava às salas e os velhos estúdios não tinham como não acolher a "revolução" – tal como aconteceria na América à "nova Hollywood".

Depois da sua estreia na longa-metragem em 1959 com Ai To Kibo No Machi,Oshima assinou durante os dez anos seguintes 17 das suas 26 longas-metragens, tornando-o num dos mais prolíferos cineastas de uma década fértil em convulsões na arte e na sociedade nipónica. A que Oshima respondeu, em filmes como O Enforcamento, Noite e Nevoeiro no Japão ou Cerimónia Solene, como ferozes investidas contra a sociedade burguesa, armadas de sexo e política.

Experimentalista formal incansável e iconoclasta assumido que disse em tempos odiar tudo no cinema japonês, Oshima abandonou os estúdios Shochiku onde iniciara carreira na sequência da controvérsia levantada porNihon no Yoru to Kiri (Noite e Nevoeiro no Japão, 1960). Esta sátira da política japonesa foi retirada de exibição pela companhia, preocupada que o filme tivesse incentivado o assassínio de um político por um membro da extrema-direita. Oshima estabeleceu-se então independentemente e partiu para uma carreira marcada pelas reviravoltas estilísticas. Para Ninja Bugei-cho (Bando de Ninjas, 1967) sonorizou quadradinhos de um popular mangade época; Shinjuku Dorobo Nikki (Diário de um Ladrão de Shinjuku, 1969) construía-se como uma colagem godardiana de ficção, improvisação, documentário e found-footage.

Se os críticos e estudiosos consideram a sua produção dos anos 1960 como fulcral para a compreensão da sua carreira, a maioria destes filmes foi pouco vista fora do Japão e só começou a ser descoberta no Ocidente com o recente reacordar do interesse na história do cinema japonês.

Foram os últimos filmes de Oshima – as obras realizadas a partir de Cerimónia Solene (1971) – a valer-lhe a sua aclamação internacional: a co-produção britânica Feliz Natal, Mr. Lawrence (1983), com David Bowie, e o controverso díptico formado por O Império dos Sentidos (1976) e O Império da Paixão (1978, Melhor Realizador em Cannes). O seu último filme, Tabu, foi realizado em 1999, numa altura em que Oshima se encontrava já debilitado; dois AVC sofridos posteriormente impediram-no de voltar a filmar.