Fernando Carpaneda e a polêmica escultura “Bolsonaro’s Sex Party”

Posted on 1/14/2012 by UNITED PHOTO PRESS MAGAZINE



Fernando Carpaneda
obra polêmica sobre Bolsonaro em NY


Jair Bolsonaro foi parar no The Leslie Lohman Gay Art Foudation, em Nova York — oficialmente o primeiro museu de arte gay dos EUA. É que Fernando Carpaneda, artista plástico brasileiro radicado na cidade, decidiu “homenagear” o deputado federal (PP-RJ) numa obra bem ousada — uma orgia.

A escultura Bolsonaro’s Sex Party fará parte do acervo permanente da fundação e ficará ao lado de trabalhos de artistas contemporâneos como Andy Warhol, Keith Haring e Robert Mapplethorpe. Ou seja, Bolsonaro vai ficar bem ao lado de alguns dos homossexuais mais famosos do mundo e das artes.

“Da mesma maneira que Bolsonaro tem direito garantido e imunidade parlamentar para ir à TV falar mal de gays e negros, eu, como brasileiro, também tenho o direito de me expressar em público sobre o deputado”, disse Carpaneda à coluna.

Desde quando se interessa por artes plásticas?
Fiz minha primeira exposição no Brasil com 13 anos de idade, em 1982. Meu trabalho sempre foi figurativo, direcionado à arte de rua e underground, sempre focando movimentos urbanos e o mundo gay. Saí do Brasil por falta de espaço, por fazer trabalhos figurativos numa época em que curadores brasileiros só mostravam trabalhos conceituais no país.

Prefere escultura ou pintura? E qual o impacto que elas causam nas pessoas?
Prefiro a escultura. Faço pinturas para relaxar a alma e descontrair. Esculturas tomam todo o meu tempo e consomem muito da minha energia. Levo entre 20 a 30 dias para fazê-las. O tamanho das esculturas varia entre 8 e 30 centímetros de altura. Não faço esculturas em tamanho natural, preferi me dedicar às miniaturas. Quanto ao impacto que elas causam? Bem… quando se trabalha com nus masculinos e pornografia, as pessoas se assustam. As pessoas transam todos os dias em todos os lugares. Acho o ser humano hipócrita.

Como você escolhe os temas?
Eu retrato o que se passa na minha vida ou o que acontece à minha volta. Como não consigo me calar diante de certas injustiças, acabo passando isso para os meus trabalhos também.

Você é um gay militante?
Nunca tive a intenção de ser militante, mas meus trabalhos acabaram me colocando nessa posição de militância de alguma forma.

Como encara o “choque” das pessoas? Pensa nisso antes de criar ou aproveita a polêmica para chamar a atenção?
Eu crio trabalhos que a maioria dos artistas plásticos não tem coragem de fazer, e como não faço parte da sociedade brasileira de defesa da tradição, família e propriedade, isso choca certas pessoas.

Como funciona seu processo criativo?
Eu sempre fui envolvido com o movimento punk, tanto aqui nos Estados Unidos como no Brasil, e acabei conhecendo todo tipo de gente e pessoas que têm outra postura e visão de vida. A base onde coloco a figura em argila é feita com objetos que o retratado usou, consumiu ou na situação em que esteve no mesmo espaço físico que eu. Uso guimbas de cigarros, latas de cerveja, caixas vazias de pastas de dente para compor a obra. Essa base representa o mundo do retratado. Depois faço a escultura em argila e acrescento frases ou poesias e plastifico a peça. Acho que, quando um cara coloca um salto, veste uma minissaia e vai pra esquina trabalhar, isso é um ato de enorme sinceridade com ele próprio e com o mundo. Ele está sozinho, desprendido de qualquer tipo de postura. São pessoas muito seguras do que fazem e exigem respeito. Sempre gostei disso desde criança. Essas pessoas, por terem uma estética fora do padrão e terem uma experiência de vida e de rua muito fortes sempre me influenciaram. Arte para mim é sentimento. Nunca vi muita diferença entre marginais de rua e marginais que trabalham no Congresso Nacional. Marginais por marginais, prefiro os de rua.

E a reação das pessoas?
A culpa é da TV, que mostra bichinhas caricatas, fazendo fofoca da vida alheia. Não mostram dois homens de terno se amando e tendo uma vida normal, falando grosso e de mãos dadas com seu namorado. Os pais imaginam que ter filho homossexual é ter uma Vera-Verão ou um Pit Bicha em casa e morrem de medo disso. A TV denigre sempre que pode o homossexual. Minhas esculturas mostram homens amando outros homens, drags, punks e marginais. Quando as pessoas vão a uma exposição minha se sentem agredidas com os trabalhos que mostram homens fortes se beijando. Na cabeça delas aquilo é inaceitável, pois o estereótipo que elas conhecem não é aquele. Minha arte ou você gosta ou odeia. Não existe meio termo. Tanto aqui nos EUA quanto aí no Brasil, a maioria das pessoas gosta.

Como surgiu a ideia de fazer a “Bolsonaro’s Sex Party”? É uma provocação? O que você pensa sobre o deputado?
Este assunto não é brincadeira! Eu tenho vários amigos negros que têm crianças pequenas e sempre tiveram problemas horríveis no colégio por causa da cor. Eu conheço a realidade dessas crianças de perto, assim como a realidade de gays adolescentes. Não precisamos que um idiota, mal informado e que se diz cristão incentive a descriminação e a violência contra negros e gays. Acho esse tal de Bolsonaro um idiota. Ele deveria ser afastado da política brasileira, assim como a Miriam Rios, o Pastor Édino Fonseca, entre outros imbecis homofóbicos que usam o nome de Jesus Cristo em vão. Algumas pessoas não entendem a obra, mas a escultura aborda ainda um protesto contra as campanhas homofóbicas como a da Igreja Batista americana “God hates Fags” (“Deus odeia os Viados”). Eu troco a palavra “odeia” e coloco a palavra “ama”. A escultura também tem a inscrição “A realidade é que às vezes fazemos sexo sem camisinha”, ou seja, um alerta sobre sexo sem proteção. Muitas pessoas criticam a escultura por falta de conhecimento sobre questões importantes relacionadas ao mundo gay. Quem não tem conhecimento sobre esses assuntos só consegue ver uma cena desnecessária de sexo.

Sofreu algum tipo de preconceito no Brasil? E nos EUA?
Preconceito existe em todos os lugares e nunca vai acabar. A diferença é que as leis nos Estados Unidos funcionam e no Brasil não.

Teve algum problema com a Igreja por conta dos seus trabalhos?
Sim. Os crentes sempre me atacaram. Sempre foram gritar e fazer orações nas minhas exposições no Brasil. Escrevi sobre isso na minha autobiografia “O Anjo de Butes”.

Pretende trazer uma mostra para cá?
Vou expor em Brasília, em junho, com o apoio da PLUS, galeria que me representa no Brasil e umas das poucas no país, junto com a Choque Cultural (SP), que tem uma visão mais aberta e atualizada sobre o que acontece em artes no exterior. Se tudo der certo, vou levar a escultura Bolsonaro’s Sex Party comigo. A escultura agora faz parte da Fundação Leslie Lohman, que há alguns meses se transformou oficialmente no primeiro museu de arte gay dos EUA. Estamos em negociação.

Para conhecer a obra de Carpaneda, visitem o site.