Roteiro essencial da arte portuguesa

Posted on 6/08/2011 by UNITED PHOTO PRESS

Há mais de dois mil anos que fazemos arte e até inventámos correntes exóticas como o indo-português e o sino-português. "Arte Portuguesa - História Essencial" é um enciclopédia portátil que começa nas antas pré-históricas e vai até ao sapato de panelas de Joana Vasconcelos.

O historiador de arte e professor universitário, Paulo Pereira, criou um guia de consulta fácil que vai torná-lo um expert. Não se deixe intimidar por palavras como jónico ou dórico e vai ver que é mais fácil que ir ao Google. Pedimos a Paulo Pereira que elegesse as peças mais valiosas e as suas favoritas. Aqui ficam 12 que podem servir de roteiro para as férias.

Esta é inesperada, de certeza!", responde Paulo Pereira quando lhe pedimos para fazer a lista das dez obras mais valiosas. O dolmén ou anta, de Antelas data de 3600 a. C.- 3100 a.C. e destaca-se pela qualidade das suas pinturas a negro, ocre vermelho sobre fundos brancos.

Dolmén de Antelas
Oliveira do Hospital

Considerado um dos mais importantes mosteiros medievais portugueses foi mandado construir em 1153 e é, nas palavras do historiador, “a primeira obra plenamente gótica erguida em solo português”. Esta igreja é uma das maiores abadias cistercienses, ou seja, da Ordem Religiosa Católica fundada em 1098 e que tinha como mentor espiritual São Bernardo. Segundo o autor, os mosteiros caracterizavam-se por ter uma ornamentação discreta e o mais importante era a luz.

Os túmulos de Pedro e Inês
Alcobaça

D. Pedro apaixona-se por Inês de Castro, uma galega, e quer casar-se com ela. O pai, o rei D. Afonso VI, teme que o trono português caia nas mãos dos espanhóis e manda matá-la. Quando D. Pedro é coroado mata os assassinos, manda desenterrar D. Inês e coroa-a rainha. Uma história tão trágica tinha de culminar numa obra prima: os túmulos estão repletos de esculturas de grande qualidade.

Leda e o Cisne
Lisboa

Francisco Vieira Portuense pintou um mito trágico. Sim, é uma história grega. Leda era casada com o rei dos Espartanos Tindáreo mas era tão bonita que o deus Zeus apaixonou-se por ela. Zeus decidiu então tomar a forma de um cisne para se aproximar dela. O que aconteceu a seguir, fica entre os deuses. O que resta são várias obras sobre esta reunião. A de Vieira Portuense pode ser vista no Museu de Arte Antiga em Lisboa e é um bom exemplo da estética neoclássica já a namorar o romantismo.

Mosteiro dos Jerónimos
Lisboa

Era uma vez um Rei chamado D. Manuel que tinha muito dinheiro, gostava de coisas bonitas e vai daí encomendou um mosteiro e o seu nome deu origem a um estilo: manuelino. O claustro destaca-se pela arquitectura e decoração. É um reflexo de várias correntes, e o primeiro do seu género com “dois andades abobadados e uma planta quadrada com os cantos cortados formando um octógono virtual”, lê-se no livro. “São poucos os edifícios europeus da época com uma carga decorativa tão rica e densa de significado.” O professor refere-se às narrativas bíblicas e histórias que incluíam o casal D. Manuel e D. Maria.

O santuário do Bom Jesus
Braga

Trata-se do barroco no seu esplendor. A escadaria com os lanços em ziguezague, a entrada feita por um pórtico monumental, as fontes, as igrejas, os terraços, um novo barroco são razões mais que suficientes para tornar este monumento numa obra prima.

Jardins do Palácio Fronteira
Lisboa
Nem tudo o que é arte é religioso. “Os historiadores de arte têm as suas preferências geralmente distribuídas por géneros artísticos e por períodos. Portanto, maior subjectividade numa escolha destas não pode haver.” O Palácio Fronteira, em Lisboa, destaca-se pelos jardins com painéis de azulejos e uma galeria com bustos dos reis portugueses.

A Igreja da Falperra
Braga

Melhor dizendo, a Igreja de Santa Maria Madalena da Falperra, em Braga, tem um “debruado de pedra” sobre o fundo branco que é qualquer coisa de... incrível. Há que não ter medo dos adjectivos. Nas palavras do historiador: “Parece uma transposição dos desenhos dos decoradores rocaille [o estilo rocócó francês] utilizando um esquema de desenho que provoca a instabilidade de todos os elementos [...] oferecendo-lhes como que uma nova “ordem”.

Baixa Pombalina
Lisboa

Não precisa de grandes apresentações. Depois do terramoto de 1755, Lisboa ficou destruída e Marquês de Pombal arregaçou as mangas para a reconstruir. A Baixa foi desenhada a régua e esquadro e é um exemplo de urbanismo e arquitectura. Tinha chegado o funcionalismo citadino.

Painéis de São Vicente
Lisboa

“É inevitável referir esta obra”, explica. Os seis painéis de Nuno Gonçalves estão no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e são uma obra-prima que retrata a sociedade no século XV. Resultado de uma “síntese de correntes (..) que contribui para lhe conferir ainda maior originalidade e importância na cultura da época, revelando uma via mediterrânica para a pintura portuguesa, de algum modo italianizante e com influências da Catalunha, mas colhendo ainda a lição da pintura Flamenga”, lê-se no livro. Paulo Pereira vai mais longe: os painéis estão na origem da história de arte portuguesa.

Convento de Cristo
Tomar

Se leu tudo de seguida já percebeu que destacámos mais a arquitectura, muito relacionada com a religião. O claustro principal Convento de Cristo é mais uma das pérolas da arte nacional. Destaca-se porque teve uma mudança radical. Mas há mais. A janela ocidental da igreja manuelina do Convento – a mais conhecida – é uma das obras favoritas do historiador.

Antero de Quental
Lisboa

“O retrato de Antero de Quental do Columbano dava quase uma tese”, diz o historiador. O óleo pintado por Columbano Bordalo Pinheiro em 1889 pode ser visitado no Museu do Chiado em Lisboa e é uma das obras mais importantes desta época. Paulo Pereira escreve: “De grande expressividade, ao ponto de Antero de Quental, que se suicidaria dois anos depois, aparecer já como um enunciado da sua própria morte: a face parece escavada como a de uma caveira.”

Entrevista a Paulo Pereira, Historiador de Arte e professor na Faculdade de Arquitectura de Lisboa

“Foi na arquitectura portuguesa que se registou mais criatividade”

Porque decidiu escrever este livro?
Sentia dificuldade em indicar aos alunos bibliografia generalista. Existem boas edições mas são quase todas em vários volumes. Ora, este livro reúne num só volume o máximo de informação sobre a arte portuguesa e pode trazer-se debaixo do braço.

A arte portuguesa destaca-se mais na arquitectura, pintura ou escultura?
Depende das conjunturas. Para já, muitas peças perderam-se e o registo é incompleto. Por outro lado, Portugal foi um país periférico em termos de produção artística e, para mais, com uma grande escassez de oficinas, de “escolas” e de “academias” e de encomendadores, sobretudo de encomendadores cultos. Mas creio que foi na arquitectura que se registaram momentos de maior riqueza criativa.

Quais são as obras tipicamente portuguesas?
Em grande medida foi por causa de Portugal que nasceu uma arte “exótica”, quer indo-portuguesa, quer sino-portuguesa que não havia em mais lado nenhum. Depois, por muito que isto soe a senso-comum, o facto é que a azulejaria portuguesa se desenvolveu de uma forma autónoma e sem paralelos. O mesmo aconteceu com a talha barroca em madeira, a famosa talha dourada, que era mais barata que os sistemas retabulares em mármore, “à italiana” ou “à francesa” que tinham um efeito impressionante.

Em que corrente artística nos destacámos mais?
Em termos de reconhecimento, vê-se como a arquitectura, incluindo a arquitectura militar e o urbanismo, sempre se distinguiram. Não porque os portugueses e os que para eles trabalhavam fizessem obras excepcionais, mas antes porque, precisamente, essas obras não eram excepcionais. Faziam-se, o que já não era pouco. Depois, nas tais artes decorativas, portáteis, nas artes coloniais, que também, diga-se em abono da verdade, asfixiaram a chamada “grande encomenda”. A clientela nacional comprazia-se muito no bric-à-brac...

Quais são as suas peças favoritas?
Tenho os meus fraquinhos, como se costuma dizer. Diria: a janela ocidental da igreja manuelina do Convento de Cristo; o interior, inteiramente revestido a azulejos, da Igreja de Almancil no Algarve, uma obra-prima de azulejaria; o mastodôntico Forte da Graça, em Elvas; a pintura “Leda e o Cisne” do Vieira Portuense, que é uma belíssima pintura em qualquer parte do mundo; o retrato de Antero de Quental do Columbano, que dava quase uma tese, na minha opinião.