Axé in Rio

Posted on 3/12/2011 by UNITED PHOTO PRESS

Musa do carnaval de Salvador, Claudia Leitte causa polêmica ao ser confirmada entre as atrações do Rock in Rio 2011
Os destaques do Carnaval baiano já se preparam para tocar no Rock in Rio – e enfrentar a oposição de raivosos fãs de rock. Entenda por que é besteira criticar a presença de axé no festival, que é feito, afinal, para a diversão.

A hegemonia é do axé, mas Salvador não tem corpo fechado. A cidade acolhe ritmos diversos, como se viu neste Carnaval na parceria entre Margareth Menezes e Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, ou na apresentação do DJ de música eletrônica americano Will.I.Am. O público aplaude. Em setembro, no Rio de Janeiro, pode acontecer o contrário. A seis meses do retorno do Rock in Rio -, cuja última edição, em 2001, foi marcada pela chuva de garrafas sobre Carlinhos Brown -, fãs de rock rosnam na internet ante o anúncio de que Claudia Leitte, musa do axé, está entre as atrações do evento. Bobagem. Quem protesta se esquece do que é a essência de um festival: o encontro entre diferentes tribos, que se juntam para festejar, beber e paquerar.

“Claudia Leitte confirmada, ninguém merece, não tem nada de rock”, diz num comentário um dos leitores de VEJA. O argumento, repetido por muitos outros antagonistas do axé, é furado, de acordo com o historiador de música brasileira Luiz Américo Lisboa Júnior. “O nome Rock in Rio é somente uma marca. Essa coisa romântica de um festival ideológico como o Woodstock ficou no passado, agora é tudo uma questão de mercado, de reunir mais gente”, afirma Lisboa Júnior, lembrando que festival é local de diversão e que o axé, do qual ele mesmo não é fã, ajuda a vender ingresso. E como: a um semestre da abertura dos portões, já foram comercializadas mais de 100.000 entradas.

Roqueiros podem se sentir frustrados diante de artistas pop e de axé, mas não poderão acusar surpresa, já que a programação é anunciada com antecedência. Tampouco vão sofrer por falta de legítimas bandas de rock. “Serão várias noites e muitos artistas, ninguém será obrigado a assistir à Claudia Leitte. Cada macaco no seu galho e tem galho para todo mundo”, diz o produtor musical Nelson Motta.

Axé n’Roll – Alvo dos ataques de fãs do rock, a cantora Claudia Leitte minimiza o conflito. “Eu canto Led Zeppelin, Guns n’ Roses, Rolling Stones e Pink Floyd em cima do trio, em pleno Carnaval. Mistura é a palavra de ordem.” Margareth Menezes, veterana do axé que se apresentou no Hollywood Rock, em 1990, faz coro. A cantora ressalta que a diversidade de estilos e tendências é própria do Brasil.

Não é apenas do lado do axé que a bandeira branca se levanta. Tony Bellotto, guitarrista dos Titãs, grupo já escalado para a nova edição do festival, diz não ter “pruridos puristas a essa altura da vida” e rechaça preconceitos. “O Rock in Rio sempre teve proposta ampla, usando o rock mais como símbolo das múltiplas variantes da música pop do que propriamente como o estilo burilado por Chuck Berry”, argumenta.

O baiano Marcelo Nova, que fundou o Camisa de Vênus em Salvador em 1980, diz desprezar o axé, mas entender festivais como eventos de multiplicidade sonora. Não só o Rock in Rio não é feito apenas de rock, como o extinto Free Jazz não tinha somente jazz. E no mundo todo é assim, diz o ex-baterista do grupo O Rappa, Marcelo Yuka, que prepara um álbum com influências do funk carioca para apresentar no Rock in Rio. A atitude roqueira, acredita Yuka, não está mais na quantidade de distorção, de tatuagens nem na quantidade de atitudes inconsequentes que um artista pode tomar, e sim no quanto ele pode ser incisivo, rever e questionar sua carreira, debochar de todos e de si mesmo. “É nessa inquietude que me espelho.”

Apesar de baiana, Pitty é referência para o rock e diz não entender "essa coisa feliz do axé"

Rock in Bahia – A própria Bahia serve para mostrar que rock e axé podem conviver. Mesmo com todo o suingue herdado da África, o estado tem forte ligação com o rock. E boas contribuições ao gênero no Brasil. Foi na terra dos tropicalistas Caetano e Gil que nasceu um dos maiores guitarristas nacionais, o músico Pepeu Gomes, e que nos anos 1940 a dupla Dodô e Osmar criou a guitarra baiana, uma mistura de cavaquinho e guitarra tradicional. Mais tarde, ela seria levada aos trios elétricos, outra criação da dupla.

Ainda que Caetano e Gil sejam classificados como MPB e Pepeu Gomes como músico eclético, todos tiveram influências do rock e o alimentaram com seus acordes e, especialmente, atitude. “Na Bahia, Luiz Caldas, Dodô e Osmar e até a Ivete Sangalo têm algo de rock”, afirma o jornalista Edmundo Leite, que está escrevendo uma biografia de Raul Seixas, o patriarca do rock nacional, nascido e criado no estado.

“A Bahia é o nosso Tennessee”, conclui Tony Bellotto, comparando a terra de Raul Seixas com o estado onde se formou o fenômeno Elvis Presley. Das terras baianas, aliás, surgiu mais que Raul. Saíram também a banda Camisa de Vênus, uma das referências do punk dos anos 1980, e a cantora Pitty, nome forte do cenário roqueiro dos anos 2000. Pitty, aliás, ainda não está confirmada no Rock in Rio, mas é cotada para o evento. Resta saber se a cantora, que já disse não entender “essa coisa feliz do axé”, vai torcer o nariz como os fãs raivosos do rock ou curtir a balada, como se faz num festival.

Serviço: O primeiro lote de 100.000 ingressos para o Rock in Rio 2011 está esgotado. Os outros cerca de 500.000 estarão à venda a partir do dia 7 de maio, em shoppings do Rio de Janeiro e no site oficial do evento: http://www.rockinrio.com.br/