Urban Manners 2 - Todas as Fichas na Índia

Posted on 2/22/2010 by UNITED PHOTO PRESS

Olhe para o indiano aí ao lado. Ele se chama Subodh Gupta. No século passado, era um estudante de pintura na cidade de Patna, no nordeste de seu país, perto da fronteira com Bangladesh, uma das nações mais pobres no mundo.

No século 21, ele se tornou um fenômeno do mundo das artes. É chamado de "Duchamp subcontinental" ou "Damien Hirst de Nova Délhi". O primeiro apelido se deve à capacidade de transformar objetos absolutamente banais, como panelas e bules, em obras de arte - na linha do dadaísta Marcel Duchamp (1887-1968), precursor dessa atitude ao levar objetos como um urinol para os museus. A segunda alcunha refere-se ao grande popstar da produção atual, o britânico Damien Hirst, que em 2007 vendeu uma caveira cravejada de diamantes por exorbitantes US$ 100 milhões. Gupta ainda não chegou a esses valores, mas já faz parte da mesma turma. Obras suas - como as de Hirst - integram a coleção do mais estelar dos galeristas britânicos, Charles Saatchi (casado com a chef de cozinha Nigella Lawson, famosa por fazer coisas nojentas como lamber o dedão em pleno programa de TV). No ano passado, Gupta foi um dos grandes destaques na Arco, a famosa feira de artes plásticas sediada em Madri. Na capital da Espanha, não era possível comprar uma obra sua por menos de US$ 100 mil.

Gupta não é um fenômeno isolado. Ele surfa num tsunami que vem varrendo esse universo recentemente: o da arte indiana. "Trata-se de uma cena tão vibrante quanto o boom da arte britânica nos anos 90", diz o curador suíço Hans Ulrich Obrist, recentemente eleito a personalidade mais poderosa do mundo das artes. Ele compara os artistas indianos atuais com a geração conhecida como Young British Art (Jovem Arte Britânica), turbinada pelo milionário Saatchi e que valorizou nomes como Tracey Emin, Sarah Lucas, Chris Ofili e Damien Hirst, naturalmente. Neste mês, a nova arte indiana é tema de uma exposição em São Paulo, no Sesc Pompéia. Urban Manners 2 - Artistas Contemporâneos da Índia reúne trabalhos de onze representantes do país asiático, incluindo os expoentes Subodh Gupta e Jitish Kallat - outro artista que viu a vida dividida em "antes" e "depois" de ter uma obra comprada por Saatchi. Com curadoria de Adelina von Fürstenberg e Peter Nagy, a mostra traz obras grandiosas, como a instalação Hungry God (Deus Faminto), feita por Gupta com utensílios de cozinha. A maioria das peças vêm de coleções particulares. Kallat apresenta duas. Aquasaurus, sucesso na Arco no ano passado, consiste em uma escultura, híbrido de caminhão-pipa e esqueleto de animal pré-histórico. Artist Making Local Call (Artista Fazendo Chamada Local) é um painel fotográfico de dez metros de largura com um panorama algo caótico de uma metrópole indiana.

Xadrez GeopolíticoDe acordo com a ArtTactic, empresa londrina especializada em números do mercado de arte, o "boom" indiano é notável: em 2001, o mercado movimentou US$ 2,3 milhões; em 2006, chegou a US$ 140 milhões. Tudo começou por volta de 2005, e seguindo um roteiro semelhante à onda de arte chinesa. Indianos endinheirados que moravam fora do país passaram a procurar trabalhos de conterrâneos como Gupta para investir. E casas de leilões como Christie's e Sotheby's se articularam para encontrar obras que atendessem à demanda. Até nomes históricos da Índia se beneficiaram dessa movimentação: os recordes de valores unitários para obras indianas pertencem às pinturas Birth, de Francis Newton Souza (1924-2002), e La Terre, de Sayed Haider Raza, 87 anos, vendidas em 2008 a US$ 2,5 milhões cada uma. Pela qualidade das obras e pelas questões universais que elas levantam, não dá para justificar a forte presença da Índia hoje no circuito somente como curiosidade por algo exótico. A feira em Madri, Saatchi e, em última instância, a Urban Manners atestam o papel do país asiático como um "player" importante no xadrez geopolítico da produção contemporânea. Em termos artísticos, o país vem se juntar à China, à Rússia e ao Brasil. Países que, primeiro, se impuseram em termos econômicos. Depois, se fizeram notar culturalmente.

O marchand Daniel Roesler, da galeria paulistana Nara Roesler, única do país a representar uma artista indiana - Sutapa Biswas, radicada em Londres -, concorda que os emergentes estão em alta. "Vai haver leilões neste mês só com obras de BRICs (sigla usada para identificar os emergentes Brasil, Rússia, Índia e China), em Londres. O mercado está aquecido e interessado nesses países", diz ele. Outros galeristas mantêm-se atentos à produção indiana. Eduardo Leme, da galeria Leme, também em São Paulo, é um deles. Apesar de afirmar que não se preocupa com a nacionalidade dos nomes com que trabalha, acertou recentemente uma parceria com a Maskara, galeria sediada em Mumbai. Ou seja, vêm de lá atualmente as boas apostas. E certamente ainda vamos ouvir falar muito de arte indiana neste ano.