Michael Jackson: 1958-2009 - O fim de uma era [obituário]

Posted on 6/26/2009 by UNITED PHOTO PRESS

Michael Jackson desaparece aos 50 anos e deixa uma das mais duradouras obras da pop.

Os primeiros anos de vida artística de Michael, nascido em Gary, no Estado do Indiana, em 1958, não foram fáceis. O pai e líder do clã Jackson, Joseph, era extremamente severo e normalmente acompanhava os ensaios dos filhos com um cinto na mão. Joseph sabia que a sua ascensão da condição operária em que se encontrava dependia do talento dos filhos e por isso, desde a formação oficial do grupo em 1964, o trabalho duro era a única realidade conhecida por Michael e pelos irmãos. Em 1966, os Jackson Brothers passaram a responder pelo nome de Jackson 5 e o papel de Michael tornou-se mais relevante quando conquistaram um prémio numa mostra de talentos e puderam alargar o seu raio de acção até à cidade de Chicago. As constantes digressões pelo "chitlin circuit" (as salas da costa este e do sul que aceitavam artistas negros na época em que a segregação ainda se fazia sentir) renderam os seus dividendos quando em 1968 os Jackson 5 assinaram um contrato com a poderosa Motown de Berry Gordy. O sucesso chegou imediatamente. Berry Gordy terá percebido desde logo que a sua nova contratação era especial.
O segredo da Motown até aí assentava na ideia de linha de montagem, com especialistas para as fases de escrita, orquestração, produção e execução dos temas a trabalharem para que o produto final se destacasse. Para tratar especialmente dos Jackson 5, Gordy criou A Corporação, uma equipa de que faziam parte ele mesmo, Freddie Perren (que haveria de escrever êxitos para os Sylvers e Gloria Gaynor, entre outros), Deke Richards (que assinou hits das Supremes e Martha & The Vandellas) e Alphonso Mizell (parte dos Mizell Brothers, grandes responsáveis pela definição do som da década de 70 com as suas clássicas produções para gente como Donald Byrd e Bobbi Humphrey, na Blue Note). O resultado da junção de tais talentos criativos foi devastador: os primeiros quatro singles dos Jackson 5 chegaram todos ao primeiro lugar das tabelas - "I Want You Back", "ABC", "The Love You Save" e "I'll Be There" são quatro impressionantes clássicos que serviram de pilar a uma progressão absolutamente incrível da carreira dos Jackson 5 e sobretudo de Michael Jackson. Em 1971, apenas um ano depois de "I'll Be There", Michael estreava-se a solo com o álbum Got To Be There , a forma encontrada pela Motown para fazer concorrência directa à estreia a solo de um membro de uma outra família musical muito famosa - Danny Osmond, dos Osmonds.
A história não deixa dúvidas sobre quem terá ganho essa disputa... Ben , de 1972, foi o álbum seguinte de Michael, que se mantinha nos Jackson 5 ao mesmo tempo que impulsionava a sua carreira a solo. Music & Me , de 1973 , e Forever, Michael , de 1975, foram os dois últimos registos de Michael na Motown, com o apropriadamente intitulado Moving Violation , também de 75, a ser o derradeiro trabalho dos Jackson 5 para a mesma editora.. A Epic, selo discográfico mais tarde adquirido pelo gigante Sony, foi o passo seguinte dos irmãos Jackson que deixaram na casa de Berry Gordy não apenas a sua designação oficial - a partir de 76 os Jackson 5 passaram a ser conhecidos apenas por The Jacksons - mas também o segundo irmão mais carismático, Jermaine, que por ser casado com uma filha do patrão da Motown acabou por não acompanhar a família nessa "moving violation". Joseph Jackson, o pai, comentou o facto na época: "é o meu sangue que corre nas veias de Jermaine, não o de Berry Gordy." Em 1978, Michael assumiu o papel do Espantalho na adaptação cinematográfica do espectáculo da Broadway "The Wiz", uma nova leitura do clássico "The Wonderful Wizard of Oz" de L. Frank Baum. Com um cast inteiramente afro-americano - que registava participações de Diana Ross e Richard Pryor - dirigido por Sidney Lumet, "The Wiz" contava com a participação de Quincy Jones nas orquestrações dos temas escritos por Charlie Smalls e Luther Vandross.
O filme foi um tremendo falhanço de bilheteira e crítica, mas aproximou Quincy Jones e Michael Jackson que não tardariam a fazer história. Michael e Quincy Quincy Jones é uma verdadeira lenda. Nascido em 1933, em Chicago, aos 18 anos já tinha deixado claro que a música seria o seu futuro, quando aceitou levar o seu trompete em digressão com o lendário Lionel Hampton. Ainda na década de 50, Jones andou em digressão com Dizzy Gillespie e, em 1957, mudou-se para a mais permissiva Paris, onde estudou, entre outros, com Oliver Messiaen, um dos maiores compositores eruditos do século XX. No mesmo ano em que os Jackson 5 nasciam, 1964, Jones tornou-se no primeiro vice-presidente negro de uma grande companhia discográfica, mais propriamente da Mercury Records. Jones tinha passado por um mau bocado antes de chegar à Mercury e declarou à revista Musician que esse foi também um período de aprendizagem: "Nós tínhamos literalmente a melhor banda de jazz do planeta, mas mesmo assim passávamos fome. Foi então que descobri que existe a música e o negócio da música. Para sobreviver, tive que aprender a diferença entre os dois." Pode dizer-se que Jones tornou-se um especialista nessa preciosa diferença e não tardou a aplicar esse talento na descoberta de fenómenos musicais: em 1963, Lesley Gore, descoberta por Quincy, chegou a número 1 com o clássico "It's My Party".
Outra área em que Quincy se notabilizou foi a escrita para cinema e aí também foi pioneiro, pois não era terreno fértil para compositores negros. A convite de Sidney Lumet (o mesmo de "The Wiz"...), Quincy Jones assinou a banda sonora de "The Pawnbroker", a primeira de uma série de bandas sonoras clássicas com o seu carimbo, como "The Italian Job" ou "In the Heat of The Night", precursoras da explosão de talento negro nos grandes ecrãs com a Blaxploitation dos anos 70. Quando Michael conheceu Quincy no set de "The Wiz" não teve dúvidas e convidou o produtor e orquestrador para trabalhar na sua estreia a solo no catálogo da Epic que levaria o título de Off The Wall. Editado em finais de 1979, Off The Wall é produto de uma época em que a música negra atravessava um período de transformação. Os dias do disco sound estavam a chegar ao fim e a nova época trazia consigo a promessa de um funk mais angular apoiado nas novas tecnologias electrónicas. Richard Cook, no já citado artigo de capa da Wire, descreve Off The wall como "um passo em frente na carreira de Michael, da mesma forma que Music of My Mind tinha sido um passo em frente para esse outro menino-prodígio da Motown, Stevie Wonder, quase dez anos antes."
Com Rod Temperton (músico e compositor britânico que fez parte dos Heatwave, o grupo multi-nacional - com americanos, ingleses, um espanhol, um checo e um jamaicano a bordo! - que obteve enorme sucesso com o clássico "Boogie Nights") de serviço, Quincy criou um álbum que definitivamente impôs Michael como o mais popular dos artistas negros da sua época, muito graças ao enorme impacto de temas como "Don't Stop Til You Get Enough" ou "Rock With You" que levaram Off the Wall a ter um comportamento de excepção na Billboard: 48 semanas no Top 20 que se traduziram em 20 milhões de cópias vendidas em todo o mundo! Thriller Em 1984, quando foram divulgadas as até então inéditas 12 nomeações do homem de Thriller para os Grammys, o New York Times escrevia que "no mundo da música pop há Michael Jackson de um lado e todas as outras pessoas do outro". O incrível dessa frase é que quando foi originalmente publicada não continha o mínimo exagero porque, de facto, Michael era um singular caso de sucesso e talento. Gravado entre Abril e Novembro de 1982, Thriller contou com a colaboração de vários dos membros dos então líderes do rock mais adulto, os Toto, que nesse mesmo ano tinham visto a sua reputação aumentar graças ao enorme sucesso do tema "Africa" (impressionante obra-prima AOR!).
Por esta altura, tudo indica que Quincy Jones já tinha dominado na perfeição a diferença entre música e negócio, conseguindo conjugar as duas faces da mesma moeda de forma absolutamente perfeita. Richard Cook escrevia em 1991 que "o que eleva este disco é a forma como Jackson ilumina os valores de produção absolutamente perfeitos de Jones com uma personalidade explosiva." Ou seja, Thriller , pode dizer-se, é um disco sem falhas que traduz a sua época (ver caixa) ao mesmo tempo que antecipa o futuro numa produção absolutamente visionária encimada por uma interpretação de puro génio. "Billie Jean", "Beat It" ou "Thriller" são canções a todos os títulos perfeitas que Michael transformou em poderosos clássicos que teimosamente recusam a passagem do tempo: todos os anos saem para o mercado de djs bootlegs desses temas que provam a sua eterna vitalidade nas pistas de dança. Em 1984, a Time Magazine descrevia Michael como "estrela de discos, rádio e vídeos rock. Uma equipa de um só homem capaz de salvar a indústria. Um escritor de canções que estabelece o ritmo para uma década. Um bailarino com os pés mais sofisticados da rua.
Um cantor que atravessa todas as divisões de estilo, gosto e até cor. Michael Jackson, 25 anos de idade." Thriller era um álbum com 9 temas. Sete chegaram ao top 10 de singles. E isso tem que querer dizer alguma coisa. Sozinho, Thriller deu à indústria discográfica uma das melhores performances até à época. E também estabeleceu uma nova fasquia para o sucesso de um artista: em 84, John Branca, advogado de Michael, explicava à revista Time que o seu cliente tinha uma das mais altas percentagens de royalties do país que se traduziam em dois dólares por cada unidade vendida. Multiplicando esses dois dólares pelos 100 milhões de cópias vendidas é fácil perceber de onde veio a vida de luxo extremo levada por Michael a partir do rancho Neverland equipado com o seu próprio parque de diversões e zoo privado. Thriller, 25 anos depois Vinte e cinco anos passados sobre a edição de Thriller deixam claro que Michael nunca mais atingiu a fasquia desse álbum (apesar de haver momentos especiais em Bad , o álbum que marca a última colaboração com Quincy Jones, como são os casos de "Smooth Criminal" e "Man in the Mirror"), mas também que a pop nunca mais foi a mesma. Michael ajudou a transformar a pop num negócio global e, de certa forma, foi uma vítima dessa nova realidade, vendo a sua vida exposta nos media de todo o mundo.
Homem profundamente perturbado, teve problemas com a lei devido ao seu relacionamento com menores que muitas testemunhas descreveram em tribunal ser pouco saudável, para usar um eufemismo. Também não lidou com a paternidade da melhor forma e o episódio do filho pendurado numa janela de hotel foi mais uma das manchas na sua vida. Desaparece agora deixando uma obra ímpar e colossal. E, pode dizer-se, com ele morre uma era.