Arte Pictória Chinesa

Posted on 8/24/2008 by UNITED PHOTO PRESS

Duas coisas eu posso dizer do texto de Harold Osborne – aterrador e instigante. Aterrador porque, suavemente, me colocou diante da minha ignorância abissal a respeito do assunto e instigante porque, na tentativa de entender, fatalmente, busca-se outra fonte e essa puxa outra e assim vai. Não sei se, no início, o autor não faz um pouco de confusão entre as correntes filosóficas que foram importantes para a China naqueles dias – o confucionismo, o taoísmo e o budismo. Na verdade, o sistema moral confuciano incluía a ação ideal (li), a honradez (yi) e a compaixão humana (ren). Confúcio acreditava que uma sociedade bem disciplinada valorizava a cerimônia, o dever, a moralidade e o serviço público. Do taoísmo vinha a noção de vida em harmonia com a natureza por meio do Tao, “O Caminho”. O budismo prosperou pela primeira vez na China, vindo do Nepal através da Índia, durante a dinastia Han, e acreditava na pureza da mente e das ações e na purificação do carma. O fato é que as três correntes filosóficas conjuntamente, por seus aspectos altamente disciplinadores, foram fundamentais para formação do pensamento chinês, embora o confucionismo fosse uma espécie de corrente “oficial”. A dinastia Han foi fundada por um guerreiro, não por alguém de sangue nobre. Talvez por isso tenha optado por constituir uma elite baseada no mérito e na rigorosa disciplina intelectual. De forma que as artes em geral e a pintura em especial se tornaram o ápice de uma carreira, o ápice do desenvolvimento intelectual. O que eu entendi, das diversas citações do texto foi que, para o pensamento chinês, a pintura desperta a sensibilidade, a intuição, aumenta a percepção, a observação, a compreensão, leva à aceitação dos ritmos da natureza. Não é uma decisão do homem que o leva a pintar, mas um imperativo decorrente de sua integração ao tao. Assim, destina-se à fruição, ao deleite, a elevação do espírito, à harmonização do indivíduo com o princípio cósmico. Interessante que a escrita ideográfica chinesa surgiu autônoma, como uma das belas artes. Deve ter sido por isso que aquele oficial da corte chamado T’sai Lun se dedicou tanto à pesquisa de um material adequado à escrita que acabou por nos dar o papel, como o conhecemos hoje. E as classificações estéticas e estilísticas da escrita fixaram o padrão para estética da pintura. As duas artes utilizavam o mesmo equipamento, as mesmas técnicas, as mesmas metas e eram apreciadas pelos mesmos padrões. A escrita podia ser considerada uma pintura monocromática, onde se apreciavam sutis variações de tom, estilo adequado de pinceladas e absoluta autodisciplina, para atingir o tao na manipulação do pincel. Na tradição chinesa o conteúdo expressivo de uma pintura residia na técnica da pincelada e não no tema, de preferência neutro – o bambu, a natureza morta. Assim, o pintor que tivesse dominado a arte de pintar paisagens teria chegado ao ápice. E é de paisagens que estamos tratando agora, no Tópico, daí a pertinência do texto. Os conceitos estéticos chineses estão expressos em seis cânones. Eles tinham mania de seis como nós temos de sete – seis cânones, seis jing ou livros sagrados, seis grupos de pintura (casas, paisagens, cavalos, fantasmas, e finalmente, espíritos, pássaros e flores), etc. Enfim, o crítico de arte Xie He (500-535) estabeleceu os “Seis Cânones”da pintura, com a única intenção de que servissem de como fundamento para a crítica de um pequeno grupo de artistas, que ele considerava os mais importantes para sua época. Mas as gerações futuros de artistas os adotaram como princípios orientadores e os críticos, como princípios segundo os quais as pinturas deveriam ser qualificadas. São eles, de forma muito, muito, resumida: 1. Vivacidade espiritual – a pintura deve ser criada com vitalidade 2. Utilização de pinceladas fortes 3. Fidelidade ao tema (representação natural e precisa do tema) 4. Cores adequadas (relação da cor com o tema) 5. Composição adequada 6. Perícia na cópia de obras dos mestres antigos O texto de Harold Osborne ressalta a dificuldade de traduzir determinados conceitos chineses sobre estética, por absoluta falta de vocabulário adequado nas línguas ocidentais. Por isso, ele tem um cuidado especial ao falar dos “Seis Cânones”, para que os conceitos fiquem claros, livres das associações inerentes aos vocábulos da língua para qual se traduz. Não vou reproduzir, para não alongar, mas a leitura dos mesmos é fundamental. Tem trechos maravilhosos. Aliás, tem no texto uma citação de um conselho dado pelo pintor Kuo Hsi (1020-90) em seu “Ensaio Sobre a Pintura de Paisagens” que me reportou ao texto com as cartas de Matisse, concepções tão distantes: “Se quiserdes registrar essas maravilhas da criação, deveis primeiro encher-vos de entusiasmo pela sua beleza, entregar-vos a seguir a uma minuciosa confrontação com elas e fartar-vos nela completamente. Peregrinai por elas e nelas saciai os vossos olhos; depois de haverdes arrumado as impressões em vosso seio, pintareis tudo com plena facilidade e fluência, sem que vossos olhos se dêem conta da seda que pintais e sem que a vossa mão se aperceba do pincel e da tinta, e tudo será a vossa imagem individual delas”. Imagens fizeram falta, sem dúvida, mas não sei se seria viável sem virar um tratado. Acho que o texto valeu, por levantar uma pontinha bem pequenina do lençol que cobre o assunto. Dei uma olhada também em:
http://www.artmuseum.gov.mo
http://www.taoism.net
http://www.hottopos.com