Em seu ateliê em Fortaleza no Brasil, Eduardo Frota estuda, reúne amigos e pensadores. Constrói esferas, linhas tubulares, cones, carretéis utilizando módulos de madeira cortados e colados. Produz riqueza simbólica.
Cheiro de relva molhada e de madeira cortada ao chegar. O ateliê de Eduardo Frota é um amplo galpão fechado com terreno ao redor. Estende-se por aproximadamente 10m de largura e 30m de profundidade, com pé direito duplo. O espaço onde mora fica nos fundo do ateliê: quarto de dormir no mezanino; embaixo a cozinha; no quintal a varanda com redes brancas. No galpão, paredes divisórias isolam os sons, cheiros e pós entre as oficinas de desenho, cortes de madeiras, colagens, desenvolvimento de estudos, escritório e biblioteca. São muitos os livros de Arte, Filosofia, História, Sociologia, Literatura arrumados nas estantes e empilhados nos balcões de estudo e desenho. "Sempre estou trabalhando e estudando. Faço isso 24 horas por dia. Gosto. Como os trabalhos são grandes, demanda um tempo enorme para fazer cada um." Eduardo Frota trabalha com intervenções do espaço. São módulos que se agregam repetidamente e assumem formas tubulares, esféricas, cônicas, construções imensas. Esculturas? Intervenções, proposições. Um conjunto de estudos de Eduardo Frota, feitos com lâminas de madeira formando esferas vazadas, foi exposto em Madri, na Arco - Feira Internacional de Arte Contemporânea, que neste ano abriu no dia em que o artista completou 49 anos de idade, 13 de fevereiro. O Brasil, como país homenageado, participou com 32 galerias, entre elas a Virgilio, de São Paulo, que trabalha com o artista cearense. "Sou um artista de instituição. Gosto de intervir em espaços públicos. Meu trabalho tem um processo muito formador, sócio-cultural. Não sou contra as galerias, não é isso. Mas gosto de intervir no circuito de arte, de construir uma poética nesse circuito que é tão frágil no Brasil". Em períodos de grandes produções no ateliê, promove palestras, convida filósofos, psicólogos, sociólogos para interagir, trocar idéias com seus auxiliares, geralmente 14. "O ateliê para mim é esse fluxo de encontros, esse campo de adensamento de conhecimentos e visões diferentes que se somam, se integram, se pluralizam. Prefiro assim". Daí ser um trabalho lento para os padrões de velocidade da era contemporânea. "Demoro, é difícil, faço cerca de dois trabalhos por ano. Pesquiso, experimento". Trajetória do artista Saiu do Ceará muito jovem. Sua formação intelectual se deu no Rio de Janeiro. Aqui não teve formação acadêmica regular. Parou de estudar uma época. Tinha um ateliê, um ambiente, na verdade um armário que o readaptou. Ficava na área de serviço, junto à lavanderia da sua casa. "Imagina se eu tinha um quarto só para mim?!" É o mais novo de oito filhos. A mãe, o tio e o avô tiveram influência forte na sua vida de artista. Sua mãe, Maria Lucíola Campos Albuquerque, a Balu, fez da garagem uma grande cozinha. "Ela não fazia só doces e bolos. De suas mãos, tudo brotava. Fazia presépios, fazia coisas. A inteligência não está só na cabeça. Vendo minha mãe trabalhar, vi que as mãos são uma extensão do corpo e o trabalho é uma totalidade". Tinha oito anos quando ganhou da sua mãe um estojo para pinturas em aquarelas. Aos 14 anos, quando o tio Chico Albuquerque viu seus trabalhos, instigou: você é um artista e tem que sair daqui, vá para o Rio de Janeiro. Por essa época ajudava o avô a preparar suas telas. O pai de sua mãe, Ademar Albuquerque, dono da Aba Film, começou a pintar aos 70 anos. Com "os trôcos" que recebia, devorava os "Gênios da Pintura" comprados em fascículos nas bancas de revistas. Foram suas primeiros contatos com o fazer artístico. Mas o que é arte? Até hoje busca. "O meu pai era um homem normal. Muito correto, trabalhador. Apoio? Esse negócio de apoio da família é muito relativo. Houve um conflito. Quem queria que seu filho fosse um artista? Minha família era convencional, no cotidiano não se concebia que o filho fosse ser artista". Ao lembrar, Eduardo recita Paulinho da Viola: "Tinha eu 14 anos de idade, Quando meu pai me chamou, Perguntou se eu não queria estudar Filosofia, Medicina ou Engenharia, Tinha eu que ser doutor." Mas a sua aspiração era outra. Decidido, partiu. Precisou dizer que ia à casa de outro tio, em Belo Horizonte, mas seguiu para o Rio de Janeiro. Tinha 15 para 16 anos. Foi quando começou a perceber o universo das artes e a ver que o mundo era maior que o outro lado da janela. "O meu trajeto não foi fruto de optar por uma profissão, mas uma busca, um mergulho no desconhecido". Artista e professor No Rio, sua formação, além de artista, foi em arte-educação. Durante 14 anos, estudou, deu aulas, produziu. Foi monitor, hoje é consultor, curador, um perscrutador. A Escolinha de Arte do Brasil, o Parque Laje e o Museu de Arte Moderna foram as instituições que mais o atraíram e influenciaram. Participou de mostras nacionais e internacionais, ganhou prêmios. De volta a Fortaleza, sentiu feliz a acolhida de Elísio Frota, seu pai. Quem sabe ele finalmente compreendera a sua aspiração. Foi quem lhe deu o terreno, no Montese, onde, aos poucos, com o próprio trabalho e a ajuda paterna, construiu o ateliê, "esse espaço de trânsito de conhecimentos, de adensamento sócio-cultural. O ateliê é também um laboratório, um lugar de fronteiras. O que se materializa aqui são proposições, intervenções na sociedade. Produzo riquezas simbólicas." Eduardo Frota fala com as mãos, medita sobre a sua obra: "O trabalho é uma totalidade da existência, é o corpo que pensa. Tem muito da coisa sensorial, da experiência do corpo. É o oco, o vazio. São os vazados, os cheiros. Há uma respiração. A relação de escala é a escala do corpo. O meu trabalho tem uma organicidade. Os cegos o sentem. Há uma experiência tátil, olfativa, visual. Cedo compreendi que existe inteligência nas mãos. As mãos pensam. Tem um neurocientista, Miguel Nicolelis, que eu adoro. Há essa extensão do cérebro, as mãos, uma energia, o corpo da gente é cheio de inteligência. Estou teorizando o que aprendi na prática da minha vida doméstica. Geometria? Não faço pura geometria, não sou um geométrico, sou péssimo em Matemática".
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